Nascido às vésperas da Revolução Francesa e moldado por seus reflexos, Marie-Antoine Carême (1783–1833) marcou seu nome na história da gastronomia como o “rei dos chefs” ou o “chef dos reis”. No plano diplomático, cozinhou para o chanceler Charles Talleyrand, para o imperador Napoleão Bonaparte, para o czar Alexandre I e para a família Rothschild.
Testemunhou de perto o extremismo do período conhecido como Terror, viveu a ascensão de Napoleão e acompanhou o momento em que, após a queda do imperador, as monarquias europeias se reuniram em Viena, em 1815, para redesenhar o equilíbrio de forças no continente — processo que ainda influencia parte das fronteiras atuais.
Carême se tornou o primeiro chef-celebridade da história. Criou pratos que uniam técnica e estética, reforçando a importância da apresentação culinária. Muitas de suas invenções permanecem presentes à mesa: suflê, merengue, molho béchamel e vol-au-vent — cuja crocância, no terceiro episódio da série, provoca fome instantânea.
“A alma humana é comandada por duas coisas: comer e prazer. Nada melhor do que um prato bem feito”, diz Talleyrand no episódio de estreia do seriado francês Carême – O Rebelde da Culinária. Os três primeiros episódios, de um total de oito, estão disponíveis na Apple TV. Das caçarolas às alcovas palacianas, a trama se passa em uma Paris marcada pela convulsão social e política. Talleyrand faz da comida uma arma diplomática. “A Inglaterra é um país com dois molhos e 300 religiões; nós temos 300 molhos e duas religiões.”
Unindo poder, comida e um toque contemporâneo — o protagonista parece saído de um episódio de MasterChef —, a série é baseada no livro Carême: Cozinheiro dos Reis, de Ian Kelly. O roteiro posiciona o chef como espião a serviço de Talleyrand: sai das cozinhas para roubar ou queimar documentos em momentos cruciais da história da França e do mundo, na virada do século XVIII para o XIX. “Um pouco de charme à ficção”, confidenciou o diretor Martin Bourboulon. Novos episódios são lançados às quartas-feiras.
Como observou Ian Kelly em sua biografia, Carême deixou registros detalhados de menus, ingredientes e decorações, mas quase nada sobre sua vida pessoal — o que abriu espaço generoso para a ficção. Enófilos e comilões aprovam, com a ressalva de que a série está longe de ser um Sopranos. Ainda assim, Tony Soprano provavelmente ficaria faminto — de comida e de poder — ao assistir à corte francesa.