Após uma série de mobilizações e assembleias, os servidores públicos municipais de Araraquara decidiram, em assembleia realizada nesta segunda-feira (19), entrar em greve por tempo indeterminado. A paralisação ocorre diante da recusa da Prefeitura, sob administração do bolsonarista Dr. Lapena (PL), em atender às reivindicações da categoria, especialmente em relação ao reajuste salarial e ao abono pecuniário.
Desde março, o Sindicato dos Servidores Municipais de Araraquara e Região (Sismar) tem realizado reuniões com a categoria para apresentar suas reivindicações. A proposta aprovada pela direção é de um reajuste de 10% mais a inflação do período anterior, uma reivindicação rebaixada, já que, segundo o próprio sindicato, as perdas salariais acumuladas seriam equivalentes a 12%, o que é bastante subestimado. Além disso, os servidores pedem o reajuste do vale-alimentação de R$ 850 para R$ 1.200.
No entanto, Lapena ofereceu apenas 5,49% de reajuste e o fim do abono pecuniário, propondo sua incorporação ao vale-alimentação. Com isso, os servidores sofreriam uma perda nos cálculos para a previdência, FGTS, férias e demais benefícios de direito. O envio de um projeto de lei para aprovar, na Câmara de Vereadores, a extinção do abono pecuniário dos salários e sua incorporação ao vale-alimentação provocou a revolta dos servidores, que se mobilizaram e se manifestaram em frente à casa legislativa contra esse ataque.
A origem da polêmica sobre o abono pecuniário remonta à administração de Edinho Silva (PT), quando uma decisão da Justiça determinou o fim do chamado “abono assiduidade”, alegando que não se pode remunerar o servidor por ir trabalhar. Assim, o então prefeito mudou o nome do benefício para “abono pecuniário”. Em virtude de nova decisão da Justiça, alegando que o benefício é indevido, o atual governo propõe rebaixar os salários.
A deflagração da greve aconteceu diante da postura autoritária do governo Lapena. Em vez de negociar, o prefeito enviou o secretário de Governo, Elvis Guidolin, que afirmou que não havia proposta nova e ameaçou cortar o ponto dos servidores em greve, além de desqualificar o movimento, afirmando que os milhares de servidores presentes na mobilização “não representavam a categoria”, que tem cerca de 7 mil servidores.
A proposta do governo, diante de uma reivindicação rebaixada de aumento, não foi suficiente para desmobilizar a luta dos servidores públicos de Araraquara. Em apenas cinco meses de governo, Lapena entra em confronto direto com os servidores.
Os trabalhadores estão com seus salários comprometidos com os bancos, em virtude de descontos referentes a empréstimos consignados. Além disso, também comprometeram suas reservas de Fundo de Garantia (FGTS), que são utilizadas como garantia e para pagamento de empréstimos. Nesse sentido, um aumento de 10% não vai resolver a crise: será, em pouco tempo, absorvido por novas dívidas.
Há servidores que recebem praticamente um salário mínimo. Para se ter um parâmetro, os militantes dos Comitês de Luta e da Corrente Sindical Causa Operária — que integra bancários, professores, trabalhadores dos Correios, do Judiciário, da Saúde e servidores em geral — defendem um aumento de 100% no salário mínimo. O DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) aponta que o salário mínimo deveria estar em torno de R$ 7 mil, número que revela o nível de defasagem salarial.
Outras questões importantes e que agravam ainda mais o cenário não estão em pauta. O governo Lapena tem intensificado os desligamentos automáticos de servidores aposentados, prática que já ocorria na administração anterior, mas agora nem o pagamento dos 40% previstos na demissão está sendo realizado. Os servidores aposentados estão sendo jogados na rua sem qualquer direito e com salários menores.
Essas medidas são reflexo direto das reformas trabalhista e previdenciária, que enfraqueceram a estabilidade do funcionalismo público, além do teto de gastos, que continua restringindo o investimento nos serviços públicos. Some-se a isso a independência do Banco Central, que impõe taxas de juros elevadas, limita ainda mais a capacidade de investimento público e impacta na alta de preços para os consumidores.
Os servidores públicos de Araraquara devem se organizar para lutar com base em um programa verdadeiramente de seu interesse, que coloque em pauta a luta por um salário que realmente atenda às suas necessidades materiais, por direitos que contemplem as mulheres — como o aumento da licença-maternidade —, que coloque fim, de uma vez por todas, ao fantasma da Reforma Administrativa e que incorpore os trabalhadores terceirizados ao quadro efetivo.
É preciso um novo Estatuto, próprio dos servidores, não como o enfiado goela abaixo no governo Edinho, que extinguiu as abonadas (determinada quantidade de faltas remuneradas para tratar de assuntos particulares), por exemplo. A luta por melhores salários, por plano de carreira e por direitos atropelados ao longo dos anos é uma tarefa inadiável para os dias de hoje.
Um levantamento referente às greves de 2021, no último ano do governo de Jair Bolsonaro, demonstrou o potencial de mobilização dos servidores e de diversas categorias que, de maneira dispersa, realizaram mais de 700 paralisações em todo o País. Mas faltou à atual direção da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e aos sindicatos a disposição para unificar essa força em um movimento nacional. O movimento em Araraquara é parte de uma tendência nacional dos trabalhadores que volta a aparecer.