Durante décadas, o Grupo Folha cultivou a reputação de ser um bastião da democracia. Seu slogan “A serviço da democracia” ajudou a dissociar o jornal de seu envolvimento com o regime militar. Enquanto outros veículos ainda enfrentavam críticas pelo apoio à ditadura, a Folha se reposicionava como símbolo da abertura política. Essa narrativa, porém, começa a ruir com a estreia da série Folha Corrida, neste domingo (27), às 20h, na plataforma ICL.

Dirigida por Chaim Litewski, a série documental de quatro episódios apresenta as conclusões de uma longa investigação conduzida por acadêmicos de seis universidades. O conteúdo, contundente e embasado, revela a colaboração direta da empresa com o aparato repressivo do regime militar.

O ICL disponibiliza ingressos gratuitos para uma transmissão ao vivo e sem reprise.

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Assista o trailer do documentário:

Quando a imprensa vira arma: carros, extorsão e silêncio

A série apresenta provas documentais e testemunhos que apontam para uma atuação muito além do apoio editorial. Os veículos de entrega da Folha foram usados em emboscadas, prisões e até assassinatos. O caso mais emblemático ocorreu na rua João Moura, onde três pessoas foram executadas após uma operação com um carro do jornal.

O prédio-sede do Grupo Folha, na rua Barão de Limeira, também serviu como centro de extorsão. Ali, familiares de presos políticos eram coagidos a pagar grandes quantias para a liberação de entes queridos — valores que, segundo relatos, equivaliam ao custo de um apartamento na época.

Dentro da própria redação, jornalistas também foram vítimas. Muitos foram demitidos sob a alegação de “abandono de emprego” enquanto estavam encarcerados. A série revela fichas funcionais adulteradas e perseguições sistemáticas a trabalhadores que, além de torturados, foram expostos em matérias com seus dados pessoais divulgados.

Pesquisa acadêmica e respaldo institucional

A produção se baseia em um inquérito aberto pelo Ministério Público Federal (MPF) e em dois anos de pesquisa conduzida por nomes como Ana Paula Goulart Ribeiro (UFRJ), Amanda Romanelli (PUC-SP), André Bonsanto Dias (UEM), Joëlle Rouchou (Fundação Casa de Rui Barbosa) e Lucas Pedretti (UERJ) . Os resultados também estão no recém-lançado livro A Serviço da Repressão: Grupo Folha e Violações de Direitos na Ditadura (Editora Mórula).

Os episódios trazem entrevistas com personagens centrais da repressão e da resistência. O ex-agente Marival Chaves, por exemplo, rompe o silêncio e admite o uso dos carros da Folha em ações repressivas. O ex-deputado Adriano Diogo relata ter sido sequestrado por militares que saíram de uma caminhonete do jornal. Já a jornalista Rose Nogueira teve sua ficha funcional manipulada após ser presa no período de licença maternidade.

Entre os depoimentos, constam ainda o de Ivan Seixas, preso com apenas 16 anos junto ao pai, que foi assassinado pela repressão; viu a morte ser anunciada em jornal enquanto o pai ainda estava vivo. Boris Casoy, ex-editor-chefe da Folha durante a ditadura, reconhece no documentário o apoio dado ao golpe e à repressão naquele período. O religioso Frei Betto, escritor e ativista pelos direitos humanos, reflete na série sobre o papel da imprensa e os limites éticos do poder empresarial.

Estreia exclusiva e convite ao debate

A exibição do primeiro episódio será gratuita e sem reprise, seguida de um debate ao vivo com convidados especiais. Trata-se de uma rara oportunidade para refletir sobre a responsabilidade de empresas — inclusive da mídia — na sustentação de regimes autoritários.

Com direção do cineasta premiado pelo documentário Cidadão Boilesen (2009) e trilha sonora original
de Luiz Macedo, Folha Corrida é mais do que uma denúncia: é um chamado à memória histórica e à responsabilização.

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Last Update: 25/04/2025