O Senado aprovou por unanimidade, nesta quarta-feira (10), o Projeto de Lei Antifacção, proposto pelo governo Lula, que endurece penas e estabelece novos mecanismos de combate ao crime organizado. A versão aprovada retoma pontos do texto original encaminhado pelo Executivo e que foram retirados pela extrema direita durante a tramitação na Câmara. Por se tratar de um teor diferente do aprovado antes, o texto retornará à análise dos deputados.
Na manhã da quarta (10), a matéria — cuja relatoria coube ao senador Alessandro Vieira (MDB-SE) — já havia passado pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Durante a votação no plenário, senadores da extrema direita tentaram, novamente, inserir a mudança de caráter das organizações criminosas para terroristas, o que poderia abrir caminho para intervenções estrangeiras no Brasil e para a perseguição dos movimentos sociais, além de afastar investimentos.
O relator posicionou-se contrariamente à tese, argumentando que a definição técnica de terrorismo não se aplica aos grupos que atuam no país, destacando que esse tipo de crime tem motivação política, ideológica ou religiosa e que o enquadramento de um grupo como terrorista pode justificar ações militares e sanções externas contra o país.
Leia também: Governo Lula não se furta a enfrentar criminalidade, diz Lewandowski
“Por mais que a sensação de terror seja uma consequência natural da ação das organizações criminosas, isso não as faz organizações terroristas. Não há nenhum benefício para o Brasil em reconhecer o Comando Vermelho, o PCC ou qualquer outra facção como terrorista”, ponderou Vieira.
Principais pontos do PL
Entre os principais pontos que constam na versão final aprovada pelo Senado estão:
- A atualização da atual Lei das Organizações Criminosas, ao invés de sua mudança, como previa o projeto do relator na Câmara, Guilherme Derrite (PP-SP). Segundo especialistas da área, a aprovação de uma nova lei acarretaria uma sobreposição legal, insegurança jurídica e brechas que poderiam beneficiar os criminosos.
- Por isso, foi removida a tipificação do crime de “domínio social estruturado” e foi retomada proposta do governo de estabelecer o que são as facções e milícias — organizações que atuem para obter controle de territórios ou que tiverem ação interestadual — criando punições mais rígidas aos seus integrantes.
- Assim, as penas para homicídios cometidos por seus membros passam a ser de 20 a 40 anos. Integrar ou financiar esses grupos resultará em 15 a 30 anos de prisão. Para quem ocupa posição de comando, a pena pode ser dobrada e chegar a 60 anos. No entanto, o relator incluiu novas situações que permitem ampliar as punições, podendo-se chegar a até 120 anos.
- O texto do Senado ainda criou uma modalidade específica de crime para o recrutamento de crianças e adolescentes, com penas de 5 a 30 anos.
- Quem for condenado por integrar, apoiar ou liderar facções fica inelegível por oito anos, mesmo antes do trânsito em julgado. Servidores públicos que colaborarem com essas organizações ou se omitirem podem perder o cargo imediatamente.
- Os chefes desses grupos deverão cumprir pena em presídios federais de segurança máxima.
- Ainda ficaram estabelecidos: o monitoramento de conversas e visitas a presos ligados a essas organizações, mas com a manutenção à inviolabilidade das conversas entre advogados e clientes (salvo em decisão judicial específica) e o fim às visitas íntimas.
- As regras para a progressão de regime também ficaram mais severas: condenados por crimes hediondos devem cumprir o mínimo de 70% da pena no regime fechado; integrantes de facções ou milícias precisam cumprir 75% a 85%, dependendo das circunstâncias e reincidentes podem ter percentuais ainda maiores.
- Por violarem a Constituição, foram retiradas do texto vindo da Câmara itens como a extinção do auxílio-reclusão e a proibição de voto para presos provisórios.
- Proposta pelo relator, no projeto final passa a constar a criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) de 15% sobre os sites de apostas (bets) para financiar a segurança pública e o sistema penitenciário. O valor estimado de arrecadação anual é de R$ 30 bilhões. Vieira também incluiu regra temporária de regularização para bets que atuam sem licença, com previsão de arrecadação adicional de até R$ 7 bilhões.
- O texto ainda autoriza o confisco de bens e valores de origem ilícita, logo no início do processo, para evitar que o patrimônio seja dilapidado ou ocultado durante a tramitação judicial e também como forma de descapitalizar as organizações.
- O relator eliminou as alterações feitas na Câmara sobre a destinação de recursos apreendidos para fundos de segurança. Em lugar disso, ele determinou que o governo apresente e regulamente, em até 180 dias após a sanção da lei, todos os fundos federais ligados à área de segurança.
- Outro ponto incorporado, com redação alinhada com a Receita e o Ministério da Fazenda, prevê medidas como a responsabilidade solidária de empresas de pagamento e instituições financeiras, como forma de combater as bets que operam na clandestinidade, usadas para diversos crimes, inclusive lavagem de dinheiro, e concorrência desleal. Segundo Vieira, “uma bet ilegal só funciona porque alguém patrocina sua publicidade e porque alguma instituição permite o pagamento”.
- No que diz respeito às investigações, o projeto formaliza as Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado (Ficcos), que reúnem polícias e órgãos de investigação. Além da PF e das polícias estaduais, poderão participar: Ministério Público, Coaf, Abin, Receita Federal e Banco Central.
- Além disso, cria um cadastro nacional de integrantes e empresas ligadas a organizações criminosas, que deverá ser replicado pelos estados.
- O texto ainda atualiza o rol de mecanismos usados durante as investigações, permitindo, entre outros, escutas ambientais e monitoramento por softwares especiais, com autorização judicial; acesso mais rápido a dados de investigados em hipóteses previstas em lei; pedidos emergenciais de informações, sem ordem judicial, quando houver risco à vida de alguém; interceptações telefônicas aceleradas, com autorização de até cinco dias e renovação possível.
Com informações da Agência Senado