O Plenário do Senado aprovou nesta terça-feira (2), por 50 votos a 24, o projeto de lei complementar (PLP 192/2023) que altera a contagem do prazo de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa. O texto unifica em oito anos o período em que políticos ficam impedidos de disputar eleições, mas antecipa o início da contagem para momentos como a condenação, a perda do mandato ou a renúncia. A proposta, relatada pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA), segue agora para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O que muda na prática
Atualmente, a inelegibilidade pode ultrapassar 15 anos, já que os oito anos só começam a contar após o término do mandato. Com a alteração, o prazo passa a ser contado a partir de uma das seguintes situações:
- decisão que decretar a perda do mandato;
- eleição em que ocorreu prática abusiva;
- condenação por órgão colegiado;
- renúncia ao cargo eletivo.
O projeto também fixa em 12 anos o limite máximo de inelegibilidade em caso de múltiplas condenações, impedindo a soma indefinida de prazos.
Na prática, a mudança tende a reduzir o tempo de afastamento da política para parlamentares, governadores e prefeitos cassados. Exemplo: um deputado cassado no primeiro ano de mandato, que antes poderia ficar inelegível por até 11 anos, agora cumprirá o período fixo de oito anos, perdendo apenas um pleito.
Exceções para crimes graves
Após negociações, Weverton incorporou emendas do senador Sérgio Moro (União-PR), garantindo que a regra mais branda não se aplique a crimes considerados gravíssimos. Nesses casos, como corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, racismo, terrorismo, crimes hediondos, contra a vida e a dignidade sexual, o prazo continuará valendo do cumprimento da pena até oito anos depois.
“Estamos preservando a essência da Lei da Ficha Limpa”, afirmou Moro. Já Weverton defendeu que a mudança traz “mais objetividade e segurança jurídica”, evitando a chamada “inelegibilidade ad eternum”.
Apoios e resistências
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), fez questão de votar a favor:
“A inelegibilidade não pode ser eterna. Está no texto da lei: oito anos, não pode ser nove nem vinte. O meu voto é sim”.
Entre os apoiadores também estiveram Rogério Marinho (PL-RN), Tereza Cristina (PP-MS) e Renan Calheiros (MDB-AL).
Já os senadores Marcelo Castro (MDB-PI) e Eduardo Girão (Novo-CE) foram contrários. Para Castro, o projeto enfraquece a Lei da Ficha Limpa:
“O espírito da lei é manter o político inelegível por duas eleições. Com a mudança, ninguém ficará mais fora de dois pleitos, o que considero uma anomalia”.
A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) também divulgou nota de “perplexidade e indignação”, avaliando que a proposta “desfigura mecanismos centrais da lei”.
Sem impacto para Bolsonaro
A mudança não altera a situação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que foi declarado inelegível até 2030 por abuso de poder político. Isso porque, para esse tipo de condenação, continua valendo a regra atual: a contagem começa na data da eleição em que ocorreu a prática abusiva.
Segundo especialistas, o texto aprovado apenas consolida jurisprudência já aplicada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesses casos, sem abrir brecha para Bolsonaro retornar antes do prazo já estabelecido.
Um marco em debate
A Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2010 após mobilização popular e completando 15 anos de vigência em 2025, é considerada uma das principais conquistas da sociedade civil na luta contra a corrupção. Agora, com a aprovação das mudanças, abre-se um novo debate sobre o equilíbrio entre punição, segurança jurídica e o direito de participação política.
Se sancionada, a lei poderá beneficiar políticos já condenados e terá aplicação imediata, impactando tanto casos em andamento quanto condenações passadas.