O Senado aprovou, em votação simbólica nesta quarta-feira (29), projeto de lei que estabelece uma série de restrições para as propagandas das bets, entre as quais a proibição de anúncios ou ações publicitárias com atletas, artistas, comunicadores, influenciadores ou autoridades. O texto segue agora para a Câmara dos Deputados.
O projeto — de autoria do senador Styvenson Valentim (PSDB-RN) e relatoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ) — contou com o apoio de senadores tanto da base governista quanto da oposição. Pela manhã, passou pela Comissão de Esporte da Casa e, depois, foi encaminhado ao Plenário com pedido de urgência.
Embora seja uma versão atenuada do texto original — que previa a proibição total da divulgação desse tipo de jogo em qualquer meio de comunicação —, o projeto aprovado contém dispositivos que podem ajudar a reduzir o impacto das bets junto à população.
No caso das restrições a figuras de projeção, fica permitido que ex-atletas façam propaganda, mas somente após cinco anos de encerrada sua carreira.
Outro aspecto importante do projeto é o impedimento de peças publicitárias que mostrem as apostas como socialmente atraentes, como forma de promoção do êxito pessoal, alternativa a emprego, solução para problemas financeiros, fonte de renda adicional, forma de investimento financeiro, garantia ou promessa de retorno financeiro.
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Também fica proibido o uso de animações, desenhos, mascotes, personagens ou quaisquer recursos audiovisuais — inclusive gerados por inteligência artificial — dirigidos ao público infanto-juvenil de forma direta ou subliminar, bem como a promoção de programas e ações de comunicação que ensinem ou estimulem a prática de jogos de apostas.
A veiculação de publicidade de teor sexista, misógino ou discriminatório, inclusive a objetificação do corpo humano ou a associação de apostas a estereótipos de gênero, também está vedado.
Entre outros pontos, o texto proíbe, ainda, a veiculação de publicidade de bets durante a transmissão ao vivo de evento esportivo, bem como em suporte impresso, e a publicidade estática ou eletrônica em estádio e praças esportivas. Algumas exceções foram incluídas pelo senador Portinho, como no caso de patrocinador do evento, detentor de direitos do estádio ou quando a bet for patrocinadora no uniforme das equipes.
O projeto ainda impede impulsionamento de conteúdo fora dos horários permitidos e o patrocínio, direto ou indireto, de agentes operadores de apostas a árbitros e demais membros da equipe de arbitragem de competições esportivas.
Por outro lado, entre os pontos permitidos está a veiculação de publicidade em televisão aberta e por assinatura, streaming, redes sociais e internet no período entre 19h30 e 24h e em rádio em dois períodos: das 9h às 11h e das 17h às 19h30.
Também pode ser feita veiculação de publicidade em transmissão de eventos esportivos ao vivo nos 15 minutos anteriores ao início da partida e nos 15 minutos posteriores ao final da partida. Da mesma forma, será possível fazer propaganda em plataformas de redes sociais ou em outras aplicações de internet para usuários autenticados que sejam comprovadamente maiores de 18 anos.
Impactos das bets
O avanço desse tipo de jogo sobre a população brasileira, em especial sobre o público mais jovem, vem suscitando preocupação em várias frentes da política e da sociedade civil. Os impactos vão desde o âmbito financeiro até o psicológico e emocional.
Recentemente, o depoimento da influenciadora digital Virgínia Fonseca à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets no Senado escancarou o descaso e ao mesmo tempo a ascendência que figuras desse tipo exercem, num cenário que já é prejudicial a boa parte da população, ao ponto de até mesmo parlamentares se acharem à vontade para bajular a depoente.
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As apostas esportivas on line — que ficaram conhecidas como bets — foram legalizadas no Brasil em 2018 durante o governo de Michel Temer (MDB) e correram soltas ao longo da gestão de Jair Bolsonaro (PL).
Somente em 2023, sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi sancionada lei regulamentando esse tipo de atividade. Mas, o impacto que a disseminação dos jogos teve nos anos anteriores e o vício que acabou avançando e envolvendo milhões de brasileiros — ao mesmo tempo em que aumentou exponencialmente o lucro dessas empresas e dos seus “garotos-propaganda” — mostraram a necessidade de se intensificar o controle sobre esse tipo de aposta.
Estudo feito pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) estima que entre junho de 2023 e de 2024, os brasileiros gastaram cerca de R$ 68,2 bilhões em apostas, o que representa 0,62% do PIB (Produto Interno Bruto) e 22% da massa salarial.
Segundo cálculo feito pela consultoria Strategy& Brasil, o gasto com apostas representa o equivalente a 76% das despesas de “lazer e cultura” das classes D e E. O valor despendido nesse tipo de atividade equivale, segundo a mesma empresa, a 5% do que as famílias mais pobres gastam com alimentação.
Do ponto de vista psicológico, o impacto também é grave. Atualmente, especialistas e entidades indicam que o Brasil vive uma epidemia nesse tipo de vício. Apenas em 2024, o Ministério da Previdência Social registrou 402 concessões de benefícios por incapacidade temporária devido a transtornos relacionados ao jogo.
Pesquisa do Instituto Locomotiva aponta que 51% dos brasileiros que apostam sentem aumento de sintomas de ansiedade e 42% desse público usam o vício como uma fuga ilusória das dificuldades cotidianas — mas, ao invés de aliviar o estresse, aprofunda-o com sensações de impotência e isolamento.