O Senado Federal aprovou, por unanimidade (64 a 0), nesta quarta-feira (10), o novo marco legal de enfrentamento ao crime organizado no país. Conhecido como “PL Antifacção“, o projeto endurece penas, amplia instrumentos de investigação, cria fontes de financiamento e reforça o cerco às facções criminosas e milícias privadas que dominam territórios. Como houve mudanças significativas, o texto retorna à Câmara dos Deputados.
O relator, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), reformulou a proposta aprovada pelos deputados. Em vez de criar uma lei paralela, ele optou por atualizar a Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013), uma escolha que, segundo ele, evita insegurança jurídica e a possibilidade de “beneficiar condenados”.
Endurecimento das penas
O coração do projeto é o agravamento das punições, especialmente contra chefes de facções e milícias. O texto define como facção criminosa qualquer organização que dispute ou controle territórios ou atue em mais de um estado.
As penas passam a ser:
- 15 a 30 anos para quem integrar ou financiar facções e milícias;
- Até 60 anos, com a pena dobrada, para quem ocupar posição de comando;
- Em casos agravados, líderes podem chegar a 120 anos de condenação, superando os 80 anos aprovados pela Câmara;
- 20 a 40 anos para homicídios cometidos por integrantes de facções.
Além disso, chefes de organizações criminosas terão cumprimento obrigatório de pena em presídios federais de segurança máxima.
Progressão de regime mais rígida
O Senado também elevou o tempo obrigatório de prisão antes da progressão de regime:
- Condenados por crimes hediondos: mínimo de 70% da pena em regime fechado.
- Integrantes de facções ou milícias: 75% a 85%, dependendo do caso.
Financiamento: criação da Cide-Bets
Entre as mudanças mais estruturais está a criação da Cide-Bets, uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico aplicada sobre plataformas de apostas online.
- Alíquota de 15% sobre transferências de pessoas físicas.
- Vigência temporária, até a plena implantação do Imposto Seletivo da reforma tributária.
- Arrecadação estimada: R$ 30 bilhões anuais destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública.
- 60% dos recursos devem ir diretamente aos fundos estaduais de segurança, em subcontas específicas para o combate ao crime organizado.
O texto ainda prevê responsabilização solidária de empresas de pagamento e instituições financeiras que facilitarem a operação de bets clandestinas. Para o relator, “uma bet ilegal só funciona porque alguém patrocina sua publicidade e porque alguma instituição permite o pagamento”.
Novos instrumentos de investigação
O projeto moderniza mecanismos de investigação e vigilância:
- Uso de escutas ambientais e softwares especiais de monitoramento, mediante autorização judicial;
- Acesso acelerado a dados e interceptações telefônicas em situações de risco à vida;
- Criação de um cadastro nacional de integrantes e empresas ligadas a organizações criminosas;
- Monitoramento de conversas e visitas a presos vinculados a facções, preservando a inviolabilidade entre advogado e cliente;
- Fim da visita íntima para condenados pela Lei de Organizações Criminosas.
A proposta também restabelece a possibilidade de delatores atuarem como infiltrados, item original do Executivo.
Debate sobre terrorismo: Senado rejeita equiparação
Durante a votação, senadores da oposição, como Eduardo Girão (Novo-CE) e Carlos Portinho (PL-RJ), tentaram classificar facções e milícias como organizações terroristas. A emenda foi rejeitada.
Alessandro Vieira justificou: “Por mais que a sensação de terror seja uma consequência natural da ação das organizações criminosas, isso não as faz organizações terroristas. Não há nenhum benefício para o Brasil em reconhecer o Comando Vermelho, o PCC ou qualquer outra facção como terrorista.”
O relator ainda removeu o crime de “domínio social estruturado”, incluído pela Câmara, por considerá-lo impreciso.
Responsabilização de agentes e proteção de vítimas
O texto endurece o cerco contra agentes públicos que colaborarem com facções:
- Servidores que atuarem em benefício dos grupos criminosos poderão perder o cargo imediatamente;
- Condenados por integrar, apoiar ou liderar facções ficam inelegíveis por oito anos, mesmo antes do trânsito em julgado;
- Homicídios ligados ao crime organizado permanecem sob competência do Tribunal do Júri, com medidas especiais de proteção a jurados e testemunhas.
Em seu discurso, Vieira fez referência ao grupo mais vulnerável no debate:
“O lobby que não teve acesso a esta Casa, sob o ponto de vista estruturado, foi o das vítimas, foi o da população que fica diuturnamente à mercê do domínio de facções e milícias. É em homenagem a essas, que não podem aqui acionar lobbies, que a gente faz o trabalho que faz aqui.”
Com a aprovação no Senado, o projeto volta agora para a Câmara, que decidirá se mantém ou modifica as mudanças introduzidas pelos senadores.
Com informações da Agência Senado