Só os ingênuos acreditaram que desta vez seria diferente. Pela nona vez em dez meses, Antony Blinken, secretário de Estado norte-americano, realizou um tour pelo Oriente Médio para negociar o cessar-fogo na Faixa de Gaza. E, como sempre, voltou para casa de mãos abanando, depois de ameaças vãs e frases de efeito para acalmar certas consciências em Washington. Blinken aterrissou em Tel-Aviv no domingo 18, reuniu-se com o presidente, Isaac Herzog, e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. Na terça-feira 20, dirigiu-se ao Egito, deu alguns telefonemas e concluiu o périplo no Catar. Nesse meio-tempo, ataques israelenses a uma escola e a um mercado popular acrescentaram outras 52 vítimas aos mais de 40 mil mortos desde o início da operação militar no enclave palestino. Na mesma terça da despedida de Blinken, o exército israelita anunciou a recuperação dos corpos de seis reféns em poder do Hamas. Segundo o jornal Yedioth Ahronoth, os sequestrados provavelmente foram envenenados pelo vazamento de gás em um túnel em Khan Younis durante uma ação de soldados de seu próprio país.
O secretário norte-americano ainda teve de responder à costumeira petulância de Netanyahu. Em uma reunião com familiares de reféns, o premier israelense afirmou ter “convencido” Blinken a apoiar a permanência de tropas na Faixa de Gaza. A retirada completa da região é uma das exigências do Hamas para aceitar o cessar-fogo. Em conversas com jornalistas, uma fonte anônima da comitiva dos Estados Unidos respondeu: “Declarações maximalistas como essa não são construtivas e, certamente, colocam em risco a capacidade de implementar negociações niveladas, de trabalho e técnicas para poder avançar quando ambas as partes concordarem com uma proposta de transição”. Ao lado do presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sisi, Blinken foi enfático. “Os EUA”, afirmou, “não aceitam nenhuma ocupação de longo prazo por Israel. Mais especificamente, o acordo é muito claro sobre o cronograma e os locais das retiradas das forças de defesa de Gaza, e Israel concordou com isso. Então, isso é tudo que eu sei. É sobre isso que estou muito claro.” E encerrou com uma frase retórica: “O tempo é essencial”.
Enquanto Blinken passeava pelo Oriente Médio, Israel ampliava o número de vítimas palestinas
O Hamas acusa Washington de participar de um teatro para alongar a ocupação israelense e rejeita as novas exigências de Netanyahu. Inicialmente, o plano estabelece uma trégua de seis semanas, período em que haveria uma troca de reféns israelenses por prisioneiros palestinos. Em seguida, corpos e soldados seriam devolvidos pelos dois lados, as forças invasoras começariam a deixar o terreno e os civis seriam autorizados a voltar para casa. Os partidos de extrema-direita da base de apoio de Netanyahu ameaçam abandonar o primeiro-ministro à própria sorte, caso considerem “elevado” o número de prisioneiros libertados. Além disso, Tel-Aviv não parece disposta a devolver o território aos verdadeiros donos. Nem no curto, nem no médio, nem no longo prazo. Israel, sob o pretexto de inibir a circulação de armas e impedir a reorganização do Hamas, insiste em manter por tempo indeterminado o controle sobre a passagem para Rafah e ao menos dois corredores no enclave, o Filadélfia, na fronteira com o Egito, e o Netzarim, faixa de 7 quilômetros que divide o norte e o sul de Gaza.
Neste momento, parece mais provável o conflito alastrar-se pelo Oriente Médio do que as negociações de um cessar-fogo alcançarem um bom termo. Os Estados Unidos despacharam um porta-aviões para o Golfo e anunciaram um novo pacote de apoio financeiro a Tel-Aviv com o intuito de desestimular uma resposta do Irã ao assassinato em Teerã de Ismail Haniyeh, líder do Hamas, e a mobilização do Hezbollah no Líbano. Na terça-feira 20, Alimohammad Naini, porta-voz da Guarda Revolucionária Islâmica, declarou que os aiatolás não têm pressa na retaliação, mas ela virá, mais dia, menos dia. “O tempo está a nosso favor e o período de espera pode ser longo.” A Blinken, Al-Sisi expôs seus temores em relação às consequências “imprevisíveis” de uma guerra regional em múltiplas frentes de batalha e disse que uma eventual trégua é só um primeiro passo. “O cessar-fogo em Gaza deve ser o início de um reconhecimento internacional mais amplo do Estado palestino e da implementação da solução de dois Estados, pois esta é a garantia básica da estabilidade.”
Sem voz e sem poder político, resta aos civis palestinos e aos familiares dos reféns israelenses a dor, a angústia e a revolta. Em uma declaração conjunta, um grupo de famílias israelitas atribui a Netanyahu a responsabilidade “direta e total” pelo fracasso do acordo. “As tentativas incessantes de criticar as equipes de negociação, de culpar os mediadores, os meios de comunicação, os familiares e os próprios sequestrados, tudo isto atira areia nos olhos”, diz o comunicado. A recusa, prossegue o texto, favorece os interesses particulares do primeiro-ministro, mas “mata os reféns e reduz a possibilidade de devolução dos vivos”.
Segundo Louise Wateridge, porta-voz da UNRWA, agência das Nações Unidas para os refugiados palestinos, a morte é a “única certeza” no cotidiano dos 2,4 milhões de civis retidos na Faixa de Gaza. “Nenhum lugar é seguro, absolutamente nenhum. É devastador. Enfrentamos desafios sem precedentes quando se trata da disseminação de doenças, quando se trata de higiene. Até mesmo uma escola não é mais um lugar seguro. Agora, parece que você nunca está a mais do que alguns quarteirões da linha de frente.”
Também estas são palavras ao vento, perdidas no deserto, sufocadas pelo barulho das bombas e das rajadas de metralhadoras. •
Publicado na edição n° 1325 de CartaCapital, em 28 de agosto de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Palavras no deserto’