O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, anunciou que a fase de “combates intensos” contra o Hamas em Gaza está chegando ao fim. Sem planos publicamente revelados para a próxima etapa da campanha, palestinos e israelenses temem que o próximo capítulo do conflito signifique um longo período de guerra no estilo insurgência e uma ocupação indefinida.

Espera-se que os generais israelenses anunciem em breve que a última grande ofensiva terrestre no sul da Faixa de Gaza, na cidade de Rafah, terminou, mas Netanyahu deixou claro que a guerra não acabará enquanto Israel não alcançar a “vitória total”. Apesar do crescente ceticismo, ele ainda define isso como a erradicação completa do Hamas enquanto entidade civil e militar.

Entretanto, nove meses após o início de uma campanha que deveria ter terminado em janeiro, vários objetivos declarados das Forças de Defesa de Israel (FDI) continuam inalcançados e novos combates seguem ocorrendo em áreas supostamente sob controle militar israelense.

Pelo menos 16 pessoas foram mortas num ataque de Israel a uma escola no centro de Gaza na sexta-feira 5, segundo o Ministério da Saúde palestino. Além das vítimas fatais, o ataque à escola em Al-Nuseirat, a abrigar famílias deslocadas, teria deixado mais de 50 feridos. O exército israelense disse que visou atiradores que operavam nas proximidades, após tomar precauções para minimizar o risco a civis.

Embora os dois lados tenham indicado certo progresso na semana passada, as negociações de cessar-fogo e libertação de reféns têm estagnado repetidamente. Apesar da enorme pressão doméstica e internacional, o governo israelense ainda não divulgou detalhes de suas propostas pós-guerra para Gaza. Um observador israelense informado sobre os planos os descreveu como “fantasias”.

“Nenhum dos cenários que Netanyahu e seu pessoal apresentaram até agora é sério. A única conclusão que podemos tirar é que ele tenta ganhar tempo”, diz Nour Odeh, analista político baseado em Ramallah. “Netanyahu não quer acabar com a guerra por suas próprias razões políticas.”

Declarações públicas de autoridades israelenses e detalhes vazados sugerem que duas divisões do exército permanecerão em Gaza na terceira parte do plano de guerra de Israel. Uma será postada no recém-criado corredor Netzarim, que divide as metades norte e sul da Faixa, impedindo que os moradores da Cidade de Gaza retornem às suas casas. A outra será baseada no corredor Philadelphi, ao longo da fronteira entre Gaza e Egito, a fim de fechar a principal linha de suprimentos do Hamas – a extensa rede de túneis e rotas de contrabando na área.

A ofensiva terrestre de Israel está quase concluída em meio à ameaça de ocupação indefinida e a uma insurgência contínua

Essas tropas terão a tarefa de lançar ataques frequentes contra alvos suspeitos do Hamas e da Jihad Islâmica palestina em Gaza, estratégia conhecida como “cortar a grama”, já empregada na Cisjordânia. Israel abordou estados árabes como Egito e Emirados Árabes Unidos para discutir a formação de uma força de segurança que poderia operar em Gaza após a guerra, embora o apoio permaneça morno, de acordo com diplomatas regionais. Espera-se que a zona de proteção entre a cerca de separação e Israel se expanda para pelo menos dois terços de 1 quilômetro de profundidade em todo o território.

De acordo com a análise de imagens de satélite feita pela Gisha, organização sem fins lucrativos focada no direito dos palestinos à liberdade de movimento, a zona de amortecimento e dois corredores de terra expropriados para uso militar podem totalizar 32% do território. Áreas apreendidas ilegalmente compõem grande parte das terras agrícolas de Gaza, que já são insuficientes para atender às necessidades de seus 2,3 milhões de moradores.

Os planos iniciais apoiados pelos EUA para levar a Autoridade Palestina, sediada na Cisjordânia, de volta ao governo de Gaza depois de sua expulsão do território pelo Hamas, em 2007, parecem ter sido abandonados. Após 18 anos sem eleições, a autoridade carece de legitimidade política, e seu primeiro-ministro disse anteriormente ao Guardian que não retornará à Faixa “a bordo de um tanque israelense”.

De acordo com o Financial Times, Israel está perto de reimplementar um plano fracassado do início do conflito – “bolhas” administradas por pessoas locais, como anciãos respeitados, sem vínculos com o Hamas. Essas figuras selecionadas administrarão a distribuição de ajuda e, se bem-sucedidas, suas responsabilidades se expandirão para áreas de governança civil.

“Há meio ano, essa mesma ideia de negociar com chefes de clãs terminou com a execução de vários deles pelo Hamas”, disse Michael Milshtein, chefe do fórum de estudos palestinos na Universidade de Tel-Aviv. “Você não pode fingir que vai mudar drasticamente algo quando não o controla.”

Para Milshtein, os tomadores de decisão israelenses precisam comprometer-se a controlar toda Gaza no futuro próximo, com as inúmeras implicações financeiras, militares e legais que isso acarreta, ou estar preparados para fazer um acordo doloroso para acabar com a guerra, no qual é mais provável que o Hamas permaneça no poder.

“Não vejo qualquer alternativa para o Hamas continuar comandando a esfera civil de Gaza. Não sei se temos a disposição ou a capacidade de ocupar toda Gaza com soldados”, disse ele. “Não há boas opções.” •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

Publicado na edição n° 1319 de CartaCapital, em 17 de julho de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Sem saída’

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Última Atualização: 11/07/2024