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Selic de até 23%. Topa?

Por Antonio Machado

Para ganharmos tempo e evitar enrolação, vamos aos fatos. Sabe o Imposto sobre Operações Financeiras, IOF, aumentado no último dia 22 sem aviso prévio nem avaliação sobre as suas graves sequelas?

Pois é: a tungada do novo IOF nas operações de capital de giro, desconto de duplicatas e recebíveis equivale a um aumento da Selic dos atuais 14,75% ao ano, por si já um disparate, para 17,95% (em contratos de 30 dias) a 23,07% (com prazo de até 120 dias).

Isso é absurdamente injustificável. Mesmo se a revogação implicar a paralisia do governo por faltar dinheiro, o chamado “shutdown”. A consequência será o “shutdown” da miríade de pequenas e médias empresas, de padarias e confecções a metalúrgicas e lanchonetes.

Tanto o crédito, já caro e seletivo devido à inadimplência, seria ainda mais gravoso para o tomador, quanto os bancos provavelmente passarão a escolher a dedo a clientela. O que é mais importante?

Atender os programas eleitoreiros anunciados nas últimas semanas pelo governo, para recuperar a popularidade pensando nas eleições em outubro de 2026, ou a multidão de eleitores remediados cujas contas dependem das milhões de micros, pequenas e médias empresas?

É esse o impasse criado pelo Ministério da Fazenda ao anunciar os aumentos das alíquotas do IOF, cuja incidência alcança tudo o que se movimenta com dinheiro – do cartão de crédito e débito a fundos de investimento, apólices de seguro, previdência privada, compra e venda de moedas, até sobre renegociação de dívidas. O indivíduo está sujo no Serasa, quer pagar e, no parcelamento, aparece o IOF, cobrado na frente, como se fosse um pedágio ao governante da vez.

Não procede, portanto, o noticiário dizer que os presidentes da Câmara, Hugo Motta, e Senado, David Alcolumbre, estão submetidos a intensa pressão do empresariado de todos os setores e da banca.

A avaliação do mau passo dos condutores da política econômica – da qual o Banco Central nada tem a ver já que a sua diretoria nem foi chamada para participar das discussões -, dispensa pressões.

O tamanho da pancada é tão forte e contraproducente para a saúde da economia e o bem-estar social que só insensíveis e incapazes de calcular os ônus dos juros compostos defendem uma coisa dessas.

O contexto da má decisão

A verdade é que o presidente abriu precocemente a campanha à sua reeleição, o que excluiu o que não desse retorno imediato, como a reforma das políticas e programas, hoje disfuncionais, implicando um crescimento econômico movido a gasto público e a endividamento induzido, especialmente das famílias suscetíveis a tais apelos.

Vale dizer que este sentimento curtoprazista antecede a própria posse, constatado pela aliança oportunista com a parte majoritária do Congresso em fim de mandato para aprovar a PEC da Transição. Ela permitiu R$ 168 bilhões de novos despesas para o então futuro governo, embutindo o apoio tácito para que os chefes do “centrão”, que dominam o Congresso, mantivessem o tal “orçamento secreto”.

A combinação exigia o enterro do “teto de gastos”, criado em 2016 para forçar as transformação da gestão do setor público federal. Ao indexar a expansão da despesa realizada em 2016 só à inflação, o setor público estaria asfixiado em pouco tempo sem a revisão das rubricas da lei orçamentária, sobretudo os gastos obrigatórios com folha de servidores, INSS, saúde, educação e linhas sociais.

Destas, passou apenas uma reforma mitigada da previdência. Ficou acertada na PEC da Transição que o governo proporia uma opção ao Congresso, dado pelo chamado “arcabouço fiscal”, uma regra muito branda (permite, por exemplo, crescer gastos acima da inflação e reserva uma cota obrigatória ao investimento público). Também não deu certo, dada a indisposição de Lula a qualquer ajuste fiscal.

Esperteza demais come o dono

Esta sucessão de diretrizes equivocadas dá o contexto da decisão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de criar arrecadação com o IOF, tributo regulatório usado irregularmente como puxadinho da CPMF desde a sua extinção em 2007. Por não ter fim arrecadatório, foi o recurso cogitado para não recorrer à aprovação do Congresso.

O orçamento deficitário, apesar da margem de tolerância prevista pela regra fiscal, obriga o Tesouro a emitir mais papéis de dívida além do habitual para substituir os bônus vencidos.

Se a economia cresce graças ao consumo criado por artifícios (energia e bujão de gás gratuitos, Pé de Meia, crédito consignado ampliado etc.), no entanto, bate na inflação, à falta de produção interna, e escorre para importações. É onde entra o BC subindo a taxa Selic.

A ideia é convergir a inflação à meta fixada pelo próprio governo (3% em 12 meses). Isso implica desacelerar o emprego, mas não é o que tem acontecido. Lula quer um “Pibão” com objetivo eleitoral.

Entre tais condicionantes, Haddad apelou a aumentos de impostos, eliminando subsídios e privilégios, até que vacilou com o IOF. O apoio do mercado que usufruía, mas tal como no dito “ruim com ele, pior sem ele”, portanto, apoio só tático, se esvaiu. Criou-se esse imbróglio, com contorno eleitoral, que Lula e ele terão de sanar.

O cansaço dos coadjuvantes

Aos senhores que manejam o poder em Brasília faltou um senso de obviedade: entender que o grupo de centro-direita cansou de ser coadjuvante, embora seja a força eleitoral majoritária no país.

Não fosse Bolsonaro como mala sem alça, o candidato a medir força com Lula já estaria em campo, provavelmente o governador Tarcísio de Freitas (PR-SP) ou Ratinho Jr (PSD-PR). Isso está em formação.

A boa-vontade dos presidentes do Senado e da Câmara com o governo tende a ser mais escassa, apesar do olho gordo do centrão nas prebendas federais. A tradicional omissão do empresariado com a política também deverá mudar.

Tudo somado, o IOF acabou servindo para unir o que estava disperso e enquadrar os adesismos eventuais das chefias do Congresso. As sequelas do IOF, afinal, são graves, tornando-o indefensável, ainda que os políticos percam um naco das emendas no ajuste orçamentário que terá de ser feito.

É para ficar atento: o que não se fará este ano nem em 2026 terá de ser feito em 2027. Será preciso algo mais rápido, intenso e transformador, sintonizado com as enormes mudanças tecnológicas e geopolíticas da década. A fila vai andar. Que assim seja!

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Last Update: 31/05/2025