A franca ascensão do crime organizado nas mais diversas camadas sociais nos levou a questionar, no II Seminário Internacional “Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia”, organizado pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), se as medidas adotadas nas últimas décadas pelo Estado brasileiro são suficientes para a sua coibição eficiente e, ainda, se as nossas instituições estão adequadamente preparadas.

Considerando a imensa gravidade dos impactos do crime organizado, é primordial, antes de mais nada, a discussão em ambiente neutro, a fim de se averiguar a melhor solução possível para um impasse que muito impacta a sociedade e a própria organização do Estado. Não se pode desconsiderar que o crime organizado amea­ça até mesmo a soberania nacional, na medida em que ele é capaz de dominar territórios que, de forma integral e intrínseca, pertencem unicamente ao Brasil.

À luz das referidas premissas, constatamos um impasse superficial no debate sobre o tema. Por um lado, alas mais progressistas fazem o papel de não olhar adequadamente para o elemento repressivo que a questão da segurança pública possui. Por outro lado, pensamentos mais fascistas almejam reduzir e simplificar a mesma segurança pública ao papel de exterminar pessoas. Destaque-se, aqui, que a eliminação de pessoas é ato historicamente praticado no Brasil, sem que, no entanto, tais esforços tenham demonstrado resultados efetivos, muito menos favoráveis, para a questão em pauta, tendo, ao invés, até mesmo amplificado o problema.

Por essas e outras razões, o combate ao crime organizado é algo complexo. O debate deve ocorrer sem preconceitos e seu enfrentamento não pode ser embasado em soluções simplistas. Nessa toada, uma primeira questão objeto de reflexão é elevar a União a um papel mais relevante, cumprindo, desse modo, sua função na federação brasileira. Nesse arranjo, a União poderia editar normas gerais, assim como ocorre em diversas outras matérias, preservada a autonomia dos estados e dos municípios, aos quais a Constituição conferiu, respectivamente, prerrogativas em face dos preponderantes interesses regional e local.

O próximo passo é estabelecer e fortalecer políticas públicas de segurança e sociais em diversos âmbitos. Isto é, qualquer protagonismo de um ente federativo em detrimento de outro é insuficiente, pois ocorreria de forma vertical para a solução de um problema que, conquanto necessária e estrutural, não contempla a face horizontal do enfrentamento ao crime organizado. Em outras palavras, a abordagem da questão não se finda na segurança pública propriamente dita, mas requer medidas que impactem, também, as esferas econômica, social, política e jurídica.

Deparamo-nos com uma desigualdade social intensa, a demandar do Estado brasileiro medidas de redução da mesma, da exclusão e da marginalização. Na escala jurídica, por sua vez, constatamos um excesso de punição a certas condutas e ausência de criminalização em outras, comprometendo o equilíbrio tão essencial à Justiça. Pondera-se a real necessidade de medidas tão repressivas em questões que dizem respeito à liberdade individual, a exemplo da estipulação da pena mais grave possível, que é a prisão, ao uso de drogas, potencializando o campo de atuação do crime organizado.

Sugere-se, portanto, a constituição de uma política transversal para o combate ao crime organizado, inclusive com a criação de um Ministério da Segurança Pública, elemento estrutural essencial à articulação dos ministérios e de interface com o presidente da República. A referida política transversal que se propõe não deve ser limitada ao âmbito federal, mas implementada em todos os níveis da nossa federação. Aqui vale a menção à esfera municipal, pois esta, atualmente, é convocada a assumir funções na segurança pública, especialmente por meio das guardas municipais. Com o objetivo de assegurar a implementação das políticas públicas nos moldes propostos, é essencial maior integração entre os entes federativos.

Por fim, é necessário enfrentar o fascismo, a fim de se viabilizar ordem e paz social ao País. O fascismo não é uma mera modalidade de extremismo, mas uma forma de violência social, na medida em que incentiva que os cidadãos aflorem ­suas facetas mais violentas e agressivas, como mecanismo de guerra constante.

Essa guerra constante é estratégia de ação no ambiente social e até mesmo de ação política. Não há paz ou ordem em situação de guerra constante, na medida em que esta amplifica a desordem e propicia a ascensão de sistemas totalitários que prometem solução à desordem. A segurança pública, nesses termos, não se enfrenta sem o cotejamento de amplas causas e efeitos.

O desafio é sem precedentes. •

Publicado na edição n° 1365 de CartaCapital, em 11 de junho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Segurança pública’

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Last Update: 05/06/2025