Segundo turno no Chile põe em disputa dois projetos de sociedade, diz Hassler

Às vésperas do segundo turno presidencial no Chile, a deputada eleita e ex-prefeita de Santiago Irací Hassler afirma que o país enfrenta uma escolha decisiva entre dois projetos de sociedade: a ampliação de direitos sociais, representada pela candidata Jeanette Jara, e uma agenda de cortes e retrocessos defendida pela ultradireita.

A nova edição do Entrelinhas Vermelhas, exibida excepcionalmente nesta sexta-feira (12) em função da eleição chilena marcada para domingo, traz entrevista com Irací Hassler, economista, dirigente do Partido Comunista do Chile e recém-eleita deputada federal. 

Na conversa, ela analisa a disputa entre Jeanette Jara, candidata da coalizão Unidade por Chile, e José Antonio Kast, representante da extrema direita chilena, a quem associa a herança política da ditadura de Augusto Pinochet.

Segundo Hassler, o segundo turno explicita “dois projetos de sociedade muito diferentes” e coloca em jogo conquistas sociais obtidas ao longo das últimas décadas.

Dois projetos em confronto: direitos sociais versus cortes

Para Irací Hassler, Jeanette Jara representa o campo do progressismo e da centro-esquerda chilena, com uma proposta voltada à consolidação de direitos sociais historicamente negados à maioria da população.

Hassler lembra que Jara foi ministra do Trabalho no governo do presidente Gabriel Boric e, à frente da pasta, conduziu medidas centrais da atual agenda social chilena, como a reforma previdenciária que elevou o valor das aposentadorias e a política de redução da jornada de trabalho.

“Ela conseguiu avançar muito no Chile, reduzir as horas de trabalho a 40 horas na semana”, afirmou a deputada, ao citar iniciativas que exigiram negociação ampla no Congresso e enfrentaram resistências históricas.

Do outro lado, Hassler descreve a candidatura de José Antonio Kast como portadora de um projeto que “faz recortes no gasto público” e “quer diminuir direitos no Chile”. Segundo a deputada, o adversário carrega uma trajetória vinculada à ditadura chilena e setores de sua base política defendem publicamente indultos a violadores de direitos humanos do período autoritário.

“É uma alternativa da ultradireita que tem muito ódio e que quer ir para trás com coisas que o país conseguiu avançar”, disse.

Unidade e incorporação de propostas no segundo turno

Hassler destaca que a estratégia de Jeanette Jara no segundo turno tem sido marcada pela ampliação de alianças e pela incorporação de propostas apresentadas por outras candidaturas no primeiro turno.

Segundo ela, a candidata “representa uma forma de fazer política que é muito ampla, que é de unidade, que é de escutar, falar com aqueles que pensam diferente”. Entre as medidas incorporadas, Hassler cita a retirada de impostos sobre medicamentos, proposta debatida por outros candidatos do primeiro turno, e iniciativas para facilitar o acesso à moradia por parte dos jovens.

A deputada também menciona o fortalecimento das pequenas e médias empresas como eixo central do programa. “As pymes são a maioria no Chile, mas não têm acesso a crédito”, afirma, acrescentando que a proposta inclui políticas de financiamento, estímulo ao cooperativismo e apoio à inovação.

Outro ponto central é a defesa de um aumento da renda mínima. Hassler cita a proposta de um “ingresso vital” que permita às famílias chegar ao fim do mês e, ao mesmo tempo, dinamize a economia por meio do aumento da demanda.

Segurança pública e combate ao crime organizado

A segurança pública, tema que ganhou centralidade na campanha, também ocupa lugar relevante no programa de Jeanette Jara, segundo a deputada.

Hassler afirma que a candidata propõe, nos primeiros 100 dias de governo, a realização de “100 intervenções em 100 bairros” em todo o país, com ações articuladas entre diferentes níveis do Estado. As medidas incluem melhorias no espaço público, iluminação e presença institucional nos territórios.

Além disso, a proposta prevê enfrentamento direto ao crime organizado, que Hassler descreve como o principal desafio atual do Chile. “Não é só um delito comum, senão um crime já muito maior”, disse, citando vínculos com narcotráfico, tráfico de pessoas e sequestros.

A deputada menciona ainda o reforço do controle de fronteiras e o uso de tecnologia — o chamado “muro digital” — como parte da estratégia de segurança, combinando ações repressivas com políticas sociais.

Aposentadorias, Estado e o risco fiscal da ultradireita

Um dos pontos mais críticos da avaliação de Hassler diz respeito à política fiscal defendida por José Antonio Kast. Segundo ela, o programa do candidato da ultradireita propõe um corte de US$6 bilhões no orçamento chileno em um curto espaço de tempo, o que considera inviável.

“O programa dele não é possível”, afirmou. Para Hassler, esse ajuste colocaria em risco conquistas como a reforma da previdência, a educação gratuita e políticas sociais básicas.

Em contraste, ela destaca a experiência administrativa de Jeanette Jara e liderou a recente reforma previdenciária. 

“Ela conseguiu chegar a acordos que nenhum outro governo tinha conseguido”, disse, referindo-se ao aumento das aposentadorias no país.

Mulheres, direitos e memória da ditadura

A deputada também associa a disputa eleitoral à defesa dos direitos das mulheres. Hassler afirma que a ultradireita chilena tem se posicionado historicamente contra avanços como o divórcio, a pílula do dia seguinte e a despenalização do aborto em casos extremos.

“Os direitos das mulheres que têm sido tão difíceis de conquistar estão em permanente risco”, afirmou. Para ela, a candidatura de Kast expressa uma visão contrária à autonomia feminina e à ampliação de direitos.

Na reta final da campanha, Hassler relata uma mobilização crescente em atos públicos, estações de metrô e feiras, impulsionada tanto pelo apoio a Jara quanto pela percepção do risco representado pela ultradireita. “A mensagem tem sido clara: não ir para trás, só para diante”, disse.

Geração de 2011 e responsabilidade histórica

Ao final da entrevista, Hassler refletiu sobre o papel da geração que emergiu das mobilizações estudantis de 2011, da qual fazem parte figuras como o presidente Gabriel Boric e outras lideranças do Partido Comunista chileno.

Ela afirmou sentir “orgulho e muita responsabilidade” por integrar um grupo que contribuiu para avanços como a educação gratuita e a reforma previdenciária, mas ressaltou que ainda há desafios pendentes.

“Temos que fazer muito mais ainda, com humildade, aprendizagem e compromisso”, afirmou.

Hassler encerrou com uma mensagem de integração latino-americana, citando os laços entre Chile e Brasil e defendendo que os países da região avancem juntos na defesa da democracia e dos direitos sociais.

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