À medida que as eleições se aproximam, o cenário político nos partidos e nas cidades começa a tomar forma e a ganhar contornos definitivos. Já conhecemos os candidatos que irão comandar as prefeituras, entre 2025 e 2028, e também as alianças partidárias e a escolha das candidaturas à vice-prefeitura.
A ciência política brasileira tem uma “lei de ferro” sobre esse processo de definição de candidaturas e chapas partidárias: dado o nível de diversidade e fragmentação da política municipal, o principal critério para a composição de candidatas e candidatos e das alianças é local, enquanto as questões nacionais têm pouco ou quase nenhum peso.
A recente polarização entre democracia e autoritarismo da política brasileira, contudo, desafia esta lógica, trazendo questões nacionais para o centro dos arranjos locais. O exemplo mais evidente disso é a disputa pela prefeitura de São Paulo, a maior cidade do Brasil e que administra o maior orçamento municipal do país.
Nunes terá que lidar não só com os problemas da sua gestão, mas também com a enorme rejeição que Bolsonaro carrega
Tenho defendido que a disputa na capital paulista será tanto um terceiro turno das eleições presidenciais de 2022 quanto um turno zero das eleições presidenciais de 2026. Uma vitória de Guilherme Boulos (PSOL), candidato apoiado por Lula e que vem consistentemente liderando as pesquisas, pavimenta o caminho para a reeleição do atual presidente. Por outro lado, uma vitória do atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), apoiado por Bolsonaro, recoloca o bolsonarismo no jogo político após a derrota nacional a defensiva imposta à extrema-direita desde o 8 de Janeiro.
Essa configuração ficou mais nítida na última semana, após o atual mandatário paulistano aceitar como candidato a vice-prefeito em sua chapa o ex-comandante da Rota Ricardo Mello Araújo (PL), nome imposto por Bolsonaro. Nunes e seu grupo resistiram ao máximo ao nome de Mello Araújo e queriam alguém não identificado com o bolsonarismo como seu colega de chapa. Essa resistência vem da enorme rejeição a Bolsonaro que o eleitorado da cidade de São Paulo demonstra em todos os levantamentos de intenção de votos realizados nos últimos dois anos.
Nunes buscava se colocar como um candidato de “centro”, descolado da dinâmica nacional e focado nas “realizações” de sua gestão. Ele vinha atuando de modo pendular na relação com Bolsonaro, ora sinalizando para o ex-presidente e sua base, ora se afastando e escondendo esse vínculo.
Essa postura vinha causando incômodos no eleitorado bolsonarista e nas lideranças, que ameaçavam não apoiar o mandatário. Nunes parecia ignorar que o eleitorado tem suas preferências e que os apoiadores de Bolsonaro eventualmente procurariam uma candidatura de extrema-direita para expressar suas posições. Esse movimento finalmente ocorreu com o lançamento da pré-candidatura do “influencer” Pablo Marçal, pelo PRTB, que passou a figurar nas pesquisas com cerca de 10% das intenções de voto, reduzindo a margem do prefeito. Bolsonaro aproveitou esse cenário, impôs um candidato a vice bolsonarista e acabou com a ilusão centrista de Nunes.
O quadro em São Paulo convergiu para a polarização nacional entre democracia e autoritarismo. As forças democráticas que derrotaram Bolsonaro em 2022 estão divididas em duas candidaturas: além de Boulos, a deputada Tabata Amaral, embora sem conseguir alianças nem ultrapassar o patamar de 10% da preferência do eleitorado. A ida de Boulos ao segundo turno é hoje o cenário mais provável e, se ele conseguir passar em primeiro lugar, dará um grande passo para a vitória eleitoral.
Ao mesmo tempo, as forças que apoiam o projeto autoritário de Bolsonaro também estão divididas entre Nunes e Marçal. O cenário mais provável é a ida ao segundo turno do atual mandatário, que tem uma ampla aliança partidária e conta com a máquina da prefeitura. Marçal deve manter cerca de 10% dos votos durante a campanha, quando então o bolsonarismo fará um movimento definitivo a favor de Nunes ou abandonará o atual prefeito em direção ao “coach”.
Tanto no primeiro quanto no segundo turno, as questões locais que são importantes para o eleitorado – e as pesquisas mostram uma insatisfação difusa com a vida na maior cidade brasileira – aparecerão no debate misturadas às questões nacionais. Boulos deve mostrar que suas soluções para São Paulo convergem com a defesa da democracia e com um projeto de combate às desigualdades. Além disso, sua campanha reforçará que uma vitória de Nunes significa uma vitória do bolsonarismo. Já o atual prefeito não tem mais como esconder o apoio de Bolsonaro depois de se dobrar ao ex-presidente na definição de sua chapa. Nunes terá que lidar não só com os problemas da sua gestão, mas também com a enorme rejeição que Bolsonaro carrega.