Nesta sexta-feira (28), o vereador Rubinho Nunes (União) conseguiu a aprovação de seu projeto de lei que impõe severas restrições às doações de alimentos para pessoas em situação de rua em São Paulo. O texto, que prevê multas de R$ 17.680 para pessoas físicas e organizações não-governamentais (ONGs) que não cumprirem uma série de exigências, foi aprovado em primeiro turno na Câmara Municipal na quarta-feira, mas precisa passar por uma segunda rodada de votações.
O projeto de Nunes exige que ONGs interessadas em doar alimentos obtenham autorização da prefeitura, registrem seus voluntários e garantam a limpeza e zeladoria das áreas de distribuição. Para pessoas físicas, as regras são semelhantes, incluindo a necessidade de cadastro prévio na Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social e a realização de doações apenas em locais e horários agendados pela pasta.
O projeto de lei tem sido descrito como um retrocesso significativo na assistência social em São Paulo, colocando em risco a vida de milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade. A proposta de impor restrições e multas às doações de alimentos não apenas ignora a realidade das ONGs e voluntários que realizam um trabalho essencial, quando a própria Prefeitura falha em suas funções, mas também desconsidera a urgência e a gravidade da dimensão do flagelo da população na rua na cidade. É fundamental que políticas públicas sejam orientadas para apoiar, e não dificultar, o trabalho humanitário que tem sido um alicerce para os mais necessitados.
Intenção e controvérsia
Rubinho Nunes justificou a proposta como uma medida para “garantir segurança, qualidade e transparência nas ações assistenciais”. Contudo, ele mesmo decidiu suspender a tramitação do texto após o prefeito Ricardo Nunes (MDB) declarar que vetaria o projeto caso ele fosse aprovado. O prefeito enfatizou que a solução para a segurança alimentar deve ser baseada no diálogo, e não em sanções.
A proposta de Rubinho Nunes gerou uma onda de críticas, especialmente de entidades que atuam diretamente com a população vulnerável, como a Pastoral do Povo da Rua, liderada pelo padre Julio Lancellotti. Ex-integrante do Movimento Brasil Livre (MBL), Nunes é investigado por suposto abuso de autoridade devido às tentativas de abrir comissões parlamentares de inquérito (CPIs) contra o padre.
Repercussão e críticas
Padre Julio Lancellotti manifestou sua tristeza após a aprovação do projeto, afirmando que a proposta é aporofóbica (estimula o ódio aos mais pobres) e punitiva contra os pobres e seus defensores. Ele destacou que figuras históricas como Jesus Cristo, Irmã Dulce e Madre Teresa de Calcutá seriam multadas caso atuassem em São Paulo sob essas regras.
Representantes de ONGs criticaram duramente a proposta, argumentando que as exigências burocráticas afastariam voluntários e inibiriam o trabalho humanitário realizado na cidade. Thiago Branco, fundador da ONG Mãos na Massa, e Christian Francis Braga, fundador do Instituto GAS, destacaram que a proposta mostra um profundo desconhecimento da realidade da população vulnerável. Eles apontaram que muitas entidades realizam o trabalho que a prefeitura deveria fazer, mantendo essas pessoas vivas e protegidas do frio.
Pai Denisson D’Angiles, fundador do Instituto CEU Estrela Guia, também expressou indignação com o projeto, questionando por que as ações voluntárias são coibidas em vez de apoiadas.
O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) considerou “inconcebível que alguém possa nutrir tanto ódio aos pobres a ponto de propor uma atitude tão vil”. “Reconhecendo o trabalho exemplar do Padre Júlio Lancellotti, que alimenta aqueles que a sociedade esquece, é visível o ataque direcionado por essa turma bolsonarista que apoia Ricardo Nunes e deve ser combatida de uma vez por todas para evitar consequências gravíssimas”, criticou.
Posicionamento da OAB e da Prefeitura
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo declarou que o projeto é inconstitucional, argumentando que o município não pode se sobrepor às relações humanas e interpessoais. A Prefeitura de São Paulo, por sua vez, afirmou que atualmente não existe obrigação de Termo de Permissão de Uso (TPU) para entrega de alimentos às pessoas em situação de rua e destacou os programas de segurança alimentar que já estão em funcionamento.