O governo de Santa Catarina proibiu que familiares levem comidas e produtos de higiene para detentos no estado. Atualmente, são 24 mil presos em 53 unidades prisionais.
A entrega de produtos de higiene e alimentos era permitida até 2020, quando foi suspensa devido às regras sanitárias em decorrência da pandemia de Covid-19.
À época, a Secretaria da Administração Prisional e Socioeducativa do estado argumentou que não havia pessoal suficiente para higienizar os itens antes de sua entrada nas instituições.
A prática enviar mantimentos ao presos – as chamadas “sacolas” ou “jumbos” – é comum em todos os estados do país. A permissão existe devido à ineficiência do Estado em prover adequadamente essas necessidades aos presos.
Com o retorno à normalidade, a Defensoria Pública de Santa Catarina fez diversos pedidos ao governo do estado para restabelecer a entrega dos itens, já que a motivação sanitária não se sustentava mais. Os pedidos, entretanto, não avançaram. “Sequer atendiam aos nossos ofícios”, lamenta a defensora Fernanda Menezes.
Em junho, uma decisão do Tribunal de Justiça determinou a imediata autorização para a entrega de alimentos e produtos de higiene pelos parentes. A portaria do governo, editada um mês depois, surpreendeu os envolvidos.
Na prática, o estado usou uma recomendação do Ministério da Justiça que determinava o fechamento de cantinas nas unidades prisionais, para também proibir a entrada dos mantimentos. Ironicamente, não há mais nenhuma em funcionamento nas unidades prisionais catarinenses.
Outro argumento envolve a segurança das unidades prisionais. A permissão de ingresso de itens aos presos, diz a portaria, facilita a atividade das organizações criminosas, já que estes itens acabariam dominados por detentos mais poderosos.
O desembargador João Marcos Buch, ex-corregedor do Sistema Prisional da comarca de Joinville, considera irrazoável essa justificativa. “O problema não está na visita da família, e sim na qualificação do controle.”
Buch argumenta que já existem scanners corporais, esteiras de raio-x e outros instrumentos de controle para evitar a entrada de celulares e itens proibidos, apontando que as famílias e visitantes não são responsáveis pela insegurança no sistema prisional. E também observa que, mesmo durante a pandemia, quando as visitas foram suspensas, aparelhos telefônicos e outros itens proibidos continuaram a ser encontrados nas unidades prisionais.
Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária de SC diz que a portaria está baseada na premissa de que o Estado deve fornecer, integralmente, a assistência material, especialmente em relação à alimentação, higiene e saúde.
“É importante salientar que, além dos materiais de higiene, todos os custodiados no sistema penitenciário catarinense recebem cinco refeições diárias, com o cardápio baseado nas diretrizes da OMS e nas recomendações nutricionais do Guia Alimentar para a População Brasileira do Ministério da Saúde”, diz o documento.
Entre os itens básicos fornecidos pelo Estado deveriam estar: alimentação, cobertor, colchão, chinelo, toalha, shampoo, sabonete e itens de higiene. A realidade nas unidades prisionais, contudo, é bem diferente.
“Principalmente no inverno catarinense, os presos passam frio pela falta de cobertores. Santa Catarina é fria, na serra a temperatura chega a 0°, abaixo de zero, e dentro das unidades prisionais, com aquele concreto e aquele gelo, é mais frio ainda”, pontua Buch. “Não é humano isso, né? A lei penal prevê a restrição da liberdade, mas não prevê que o preso tenha como punição passar fome, frio e dor.”