Um estudo publicado na revista The Lancet estima que sanções unilaterais causam tantas mortes quanto as guerras, com cerca de meio milhão de mortes por ano
Queridas amigas e amigos,
Saudações do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.
Aqueles que não vivem em zonas de guerra ou em países sufocados são forçados a viver suas vidas como se não houvesse nada de estranho em relação ao que acontece ao nosso redor. Quando lemos sobre guerra, ela não se conecta às nossas vidas, e muitos de nós queremos parar de ouvir qualquer coisa sobre a miséria humana causada por armas ou sanções. O academicismo do intelectual e o tom calmo do diplomata são silenciados enquanto a bomba e o banco travam uma guerra contra o planeta. Após autorizar a bomba atômica lançada sobre Hiroshima (Japão) em 6 de agosto de 1945, o presidente dos EUA, Harry S. Truman, anunciou no rádio: “Se [os japoneses] não aceitarem agora nossos termos, podem esperar uma chuva de ruína vinda do ar, como nunca se viu na Terra”.
Truman justificou o uso daquela arma hedionda alegando, de forma enganosa, que Hiroshima era uma base militar. No entanto, não mencionou que sua bomba — conhecida como “Little Boy” — matou um grande número de civis. De acordo com a cidade de Hiroshima, “o número exato de mortes causadas pelo bombardeio atômico ainda é desconhecido. Estima-se que o número de mortos até o final de dezembro de 1945, quando os efeitos agudos do envenenamento por radiação já haviam diminuído em grande parte, fosse de aproximadamente 140 mil”. A população total de Hiroshima naquela época era de 350 mil habitantes, o que significa que 40% da população da cidade morreu cinco meses após a explosão. Uma “chuva de ruína” havia se abatido sobre eles.

The Lancet, uma das revistas mais renomadas sobre saúde e medicina, publicou um artigo de Francisco Rodríguez, Silvio Rendón e Mark Weisbrot com um título bastante científico: Efeitos das sanções internacionais na mortalidade específica por idade: uma análise de dados em painel transnacional. Esses acadêmicos estudaram o impacto das sanções impostas principalmente pelos Estados Unidos, pela União Europeia e pela Organização das Nações Unidas (ONU). Embora essas medidas sejam frequentemente chamadas de “sanções internacionais”, na realidade não há nada de internacional nelas. A maioria das sanções é aplicada fora do âmbito da Carta da ONU, cujo capítulo cinco insiste que tais medidas só podem ser tomadas por meio de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU. Isso geralmente não é feito, e Estados poderosos — principalmente os Estados Unidos e membros da União Europeia — instituem sanções ilegais e unilaterais contra países que excedem a lógica da decência humana.
De acordo com o Banco de Dados Global de Sanções, os Estados Unidos, a União Europeia e a ONU sancionaram 25% dos países do mundo. Os EUA sozinhos sancionaram 40% desses países, sanções que são unilaterais por não terem o respaldo de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU. Na década de 1960, apenas 8% dos países do mundo estavam sob sanções. Essa inflação de sanções demonstra que se tornou normal para os poderosos Estados do Atlântico Norte travar guerras sem precisar disparar um tiro. Como disse o presidente estadunidense Woodrow Wilson em 1919, na formação da Liga das Nações, as sanções são “algo mais tremendo do que a guerra”.

A formulação mais cruel da declaração de Wilson foi feita por Madeleine Albright, então embaixadora dos EUA na ONU, a respeito das sanções estadunidenses contra o Iraque na década de 1990. Uma distinta equipe de especialistas do Centro de Direitos Econômicos e Sociais foi ao Iraque e analisou os dados para descobrir que, de 1990 a 1996, as sanções resultaram em “mortes excessivas de mais de 500 mil crianças menores de cinco anos. Em termos simples, mais crianças iraquianas morreram como resultado das sanções do que o número combinado de duas bombas atômicas no Japão e o recente flagelo da limpeza étnica na ex-Iugoslávia”. No programa de televisão 60 Minutos da CBS, a jornalista Leslie Stahl perguntou a Albright sobre este estudo: “Ouvimos dizer que meio milhão de crianças morreram. Quer dizer, são mais crianças do que as que morreram em Hiroshima. O preço valeu a pena?”. Esta foi uma pergunta sincera. Albright teve a oportunidade de dizer muitas coisas: ela poderia ter dito que ainda não tivera tempo de estudar o relatório, ou poderia ter jogado a culpa nas políticas de Saddam Hussein. Em vez disso, ela respondeu: “Acho que é uma escolha muito difícil, mas o preço, acreditamos, vale a pena”.
Em outras palavras, valeu a pena matar meio milhão de crianças para desestabilizar o governo iraquiano liderado por Saddam Hussein. É claro que esse governo não foi derrubado por sanções. Em vez disso, o povo sofreu por mais sete anos, para os quais não houve estudo comparável sobre o excesso de mortes. Foi necessária a invasão ilegal em massa dos EUA para derrubar o governo iraquiano (ilegal porque não havia uma resolução do Conselho de Segurança da ONU). Para ser justo com Albright, ela disse mais tarde: “Eu já disse 5 mil vezes que me arrependo. Foi uma declaração estúpida. Eu nunca deveria ter feito isso”. Mas ela fez. E deixou sua marca.

Aqueles que infligem dor por meio de sanções sabem muito bem o que estão fazendo. Albright disse que sua declaração foi “estúpida”, mas não disse que a política estava errada. Em 2019, Matt Lee, da Associated Press, perguntou ao Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, sobre as sanções impostas à Venezuela, ao que ele respondeu: “Sempre desejamos que as coisas fossem mais rápidas… O círculo está se fechando. A crise humanitária aumenta a cada hora. (…) É possível ver a dor e o sofrimento crescentes que o povo venezuelano está passando”. A declaração de Pompeo é emblemática e correta: as sanções ilegais criam dor e sofrimento.
Então, o que mostra o novo estudo do The Lancet sobre sanções internacionais?
De 1971 a 2021, sanções unilaterais foram a causa da morte de 564.258 pessoas por ano.
O número de pessoas que morrem devido a sanções é maior do que o número de vítimas em batalhas (106 mil mortes por ano) “e semelhante a algumas estimativas no número total de mortes em guerras, incluindo vítimas civis (cerca de meio milhão de mortes por ano)”.
Os grupos populacionais mais vulneráveis, como seria de esperar, são crianças menores de cinco anos e idosos. As mortes de crianças menores de cinco anos “representaram 51% do total de mortes causadas por sanções no período de 1970 a 2021”.
Sanções unilaterais dos Estados Unidos e da União Europeia são mais mortais do que as sanções da ONU, com “as sanções estadunidenses parecendo impulsionar os efeitos adversos da mortalidade”. Isso ocorre porque “as sanções unilaterais impostas pelos EUA ou pela UE podem ser concebidas de maneiras que tenham um efeito negativo maior sobre as populações-alvo”.
A razão pela qual as sanções dos EUA — com a UE a seu lado — têm efeitos tão negativos deve-se ao “uso generalizado do dólar estadunidense e do euro em transações bancárias internacionais e como moedas de reserva globais, e à aplicação extraterritorial de sanções, particularmente pelos EUA”.
A análise mostra que “os efeitos das sanções sobre a mortalidade geralmente aumentam ao longo do tempo, com episódios de sanções mais prolongados resultando em maiores perdas de vidas”.
Com base nessas constatações, o estudo conclui que “de uma perspectiva baseada em direitos, a evidência de que as sanções levam à perda de vidas deve ser razão suficiente para defender a suspensão de sua aplicação”.

Em março de 2025, publicamos um dossiê intitulado Guerra imperialista e resistências feministas no Sul Global, que analisa principalmente o caso da Venezuela e descrevia o impacto das sanções e como uma sociedade sob ataque se mantém unida pelo trabalho das mulheres. Elas sabem como é a “chuva de ruína” e lutam para fortalecer suas sociedades contra ela. Como demonstramos no nosso FATOS n°3, as sanções contra a Venezuela resultaram em uma perda de 213% do Produto Interno Bruto entre janeiro de 2017 e dezembro de 2024, o que equivale a uma perda total estimada de 226 bilhões de dólares, ou 77 milhões de dólares por dia.
Em 1995, durante as sanções contra o Iraque e antes da invasão ilegal do país pelos Estados Unidos em 2003, Saadi Youssef (1934-2021) escreveu um poema milagroso chamado “América, América”. Aqui está a última estrofe:
Não somos reféns, América,
e seus soldados não são soldados de Deus…
Nós somos os pobres, nossa é a terra dos deuses afogados,
os deuses dos touros,
os deuses do fogo,
os deuses das dores que entrelaçam barro e sangue em uma canção…
Nós somos os pobres, nosso é o deus dos pobres,
que emerge das costelas dos agricultores,
faminto
e brilhante,
e ergue as cabeças…
América, nós somos os mortos.
Que venham seus soldados.
Quem matar um homem, que o ressuscite.
Nós somos os afogados, querida senhora.
Nós somos os afogados.
Deixe a água vir.
Cordialmente,
Vijay
*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.