A história da luta do povo palestino está entrelaçada com a trajetória de figuras que, mesmo à margem dos grandes aparatos políticos e militares, exerceram um papel central na formação da consciência nacional. Uma dessas figuras é Samira Azzam, escritora, tradutora, radialista e militante revolucionária, descrita por Ghassan Kanafani como sua “professora e instrutora”.
Formação precoce e primeiros passos
Samira nasceu em 13 de setembro de 1927, na cidade palestina de Acre, então sob mandato britânico, em uma família cristã ortodoxa. Filha de Qaisar Azzam e Olympe Buri, cresceu em um lar culto, onde recebeu apoio para seus estudos e para sua precoce inclinação pelas letras.
Estudou nas escolas públicas de Acre e, posteriormente, no prestigiado Colégio das Freiras em Haifa. Desde jovem, demonstrava um domínio incomum da língua inglesa, que aprofundou por meio de um curso por correspondência, vindo a dominar a escrita e a oratória nessa língua.
Aos 16 anos, passou a lecionar na escola grega ortodoxa de sua cidade natal. Ao mesmo tempo, estreava na imprensa árabe sob o pseudônimo A Garota da Costa, escrevendo para o jornal Filastin, uma das principais publicações nacionalistas do país. Desde o início, sua literatura era voltada à realidade social e à denúncia da colonização, marcada por uma profunda consciência da questão nacional palestina.
A Nakba e o exílio
A tragédia de 1948 — a Nakba — marcou uma ruptura definitiva na vida de Samira e de toda sua geração. Com a ocupação de Acre pelas forças sionistas, ela e sua família foram forçadas ao exílio, estabelecendo-se inicialmente no Líbano. Como muitos palestinos expulsos de sua terra, ela percorreu outros países árabes em busca de trabalho e de possibilidades de seguir atuando cultural e politicamente.
Instalou-se no Iraque, onde lecionou por dois anos na Escola de Meninas de Hilla. Ainda no Iraque, aprofundou sua produção literária e ampliou suas conexões com círculos intelectuais pan-arabistas e nacionalistas. Após esse período, regressou ao Líbano, passando a colaborar com revistas culturais de prestígio, como al-Adib e al-Adab, que reuniam parte da vanguarda literária e política do mundo árabe.
Atuação na imprensa e no rádio
Em 1952, Samira ingressou na rádio Near East Broadcasting Station, em Chipre, onde foi responsável pelo programa Canto das Mulheres. Dois anos depois, acompanhou a transferência da sede da rádio para Beirute, assumindo a coordenação do programa diário Quando Chega a Manhã, voltado à cultura e à análise política e social.
A rádio era um dos principais veículos de formação da opinião pública no mundo árabe, e Samira Azzam logo se destacou por sua eloquência, firmeza política e conteúdo comprometido com a causa palestina e com os interesses dos trabalhadores e das mulheres. Sua atuação foi interrompida em 1956, quando a estação foi fechada em meio à agressão imperialista anglo-franco-israelense ao Egito, durante a nacionalização do Canal de Suez.
Militância e atuação política
Em 1957, já consolidada como uma intelectual de destaque, Azzam se estabeleceu em Bagdá, onde conheceu o militante palestino Adib Yusuf al-Hisn, com quem se casou. Em Bagdá e no Kuwait, trabalhou nas rádios locais como produtora e coordenadora de programas literários. Também integrou o conselho editorial do jornal al-Sha‘b, que contava com a colaboração do célebre poeta Badr Shakir al-Sayyab. Essa fase foi abruptamente encerrada em 1959, quando ela e o marido foram expulsos do Iraque, acusados de simpatia pelo pan-arabismo de Gamal Abdel Nasser, considerado subversivo pelo regime iraquiano.
De volta ao Líbano, passou a traduzir obras do inglês para o árabe para a editora Franklin Company, e ampliou sua atuação política e literária. Tornou-se colaboradora constante do semanário al-Hawadith, onde seus artigos passaram a tratar de temas políticos e sociais com ainda maior contundência.
Foi nesse momento que Samira participou da fundação de uma das primeiras organizações de Resistência Palestina: a Frente para a Libertação da Palestina – Caminho do Retorno, em 1961. Entre um pequeno núcleo de militantes, ela era a única mulher. Foi responsável pela organização da ala feminina da frente, assumindo um papel central na mobilização clandestina de mulheres palestinas para a luta nacional armada.
Em 1964, participou do Congresso Nacional Palestino, em Jerusalém Oriental, que deu origem à Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Foi uma das oito mulheres delegadas presentes. No ano seguinte, esteve na conferência da União Geral das Mulheres Palestinas, também em Jerusalém, atuando com suas companheiras da Frente na articulação política feminina.
Obra literária e reconhecimento
Samira Azzam publicou cinco coletâneas de contos, além de ensaios e traduções. Sua obra literária é marcada pelo retrato da vida do povo palestino no exílio, da dor da diáspora e da firmeza da resistência. Não se trata de uma produção “feminista” no sentido restrito, mas de uma literatura política, comprometida com o destino coletivo da Palestina. Ghassan Kanafani — que viria a se tornar um dos maiores nomes da literatura de resistência — a homenageou após sua morte, referindo-se a ela como “minha professora e instrutora” e classificando sua obra como “literatura do exílio”, centrada em “uma causa nacional mais ampla que a simples expressão das emoções femininas”.
Morte e legado
O golpe da guerra de junho de 1967, com a ocupação da Cisjordânia, Gaza, Jerusalém Oriental, Sinai e Golan por ‘Israel’, foi devastador para Samira. Em 8 de agosto daquele ano, durante uma viagem a Amã para entrevistar refugiados palestinos, sofreu um infarto fulminante na cidade fronteiriça de Ramtha. Tinha apenas 39 anos. Seu corpo foi trasladado a Beirute, onde foi sepultada no cemitério protestante de Ras al-Nab‘.