
Por Leonardo Sakamoto, no UOL
Uma mulher protagonizou uma cena patética, nesta segunda (1), ao berrar e partir para cima do ministro Flávio Dino durante um voo entre São Luís e Brasília. Gritava que ele era lixo, que o avião estava contaminado, que não respeitava “essa espécie de gente”. Foi impedida de agredir o ministro por um segurança e pela tripulação. Recebeu o apoio do grupo de amigos que a acompanhada, tão patéticos quanto.
Servidora da Secretaria de Saúde do Paraná, ela foi levada para prestar depoimento após desembarcar.
Você que acredita estar sendo um patriota e apenas demonstrando sua indignação e exercendo sua cidadania ao atacar alguém dentro de um avião, sinto informar, mas o seu comportamento é, na verdade, de um otário ou otária. Você não está defendendo o país, apenas reproduzindo, de forma mimética e pouco criativa, o roteiro de ódio que modela diariamente as redes sociais. Gritar contra alguém dentro de uma aeronave, onde as pessoas estão confinadas e impossibilitadas de se afastar, não é exercício de liberdade de expressão, é covardia.
Esse sentimento de impunidade e superioridade moral, alimentado por anos de narrativas conspiracionistas, é o mesmo que levou uma multidão a depredar as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
A ignorância, vale lembrar, é apartidária. Por exemplo, em junho de 2017, a jornalista Miriam Leitão foi vítima de gritos, xingamentos, ameaças e palavras de ordem contra ela durante o voo Brasília – Rio vindo de pessoas à esquerda. Ela, que foi torturada por lutar contra a ditadura militar, também ouviu gritos de “terrorista” de militantes que se diziam democratas.

Quando um indivíduo ou um grupo parte para o linchamento de uma pessoa, usa, não raro, o discurso de que está fazendo Justiça, baseado em um entendimento do que é certo, do que é errado e do que é inaceitável. Ao final do dia, ficam felizes quando postam a informação em suas redes sociais, sentindo-se heróis. Quando, na verdade, agem como milicianos fazendo justiça com as próprias mãos.
Através de linchamentos públicos, rasgamos o pacto que os membros da sociedade fizeram entre si para poderem conviver (minimamente) em harmonia. Teoricamente, em algum momento da história humana, abrimos mão de resolver as coisas por conta própria para impedir que nos devoremos. O sistema que criamos para isso não é perfeito, longe disso, mas é o que tem para hoje. Seria bom, portanto, que começássemos a respeita-lo.
Queremos realmente ter uma democracia ou só a usamos formalmente para encobrir nossa total incapacidade de fugir de nossa natureza de ódio e intolerância?
Gritar em um avião não torna ninguém mais brasileiro. Apenas mais bizarro. E, no contexto de um país que tenta se reconciliar com a normalidade democrática após ter sido levado à beira do abismo, atos como esse são profundamente antipatrióticos.
Enquanto o Supremo julga um acusado de tentar destruir a democracia, seus apoiadores, em terra, continuam a demonstrar profundo desprezo pelas regras mais básicas de convivência que mantêm uma sociedade minimamente civilizada de pé.
Neste momento, o verdadeiro patriotismo pede passagem. E, de preferência, um fone de ouvido com cancelamento de ruído para ignorar esse barulho ensurdecedor da ignorância.