o empresário Marcelo Berlinck Costa de perfil, com cigarro na boca
O empresário Marcelo Berlinck Costa – Reprodução

Por Leonardo Sakamoto, publicado em sua coluna no UOL

A Polícia Militar de São Paulo tratou com respeito um empresário que recebeu agentes a tiros em sua cobertura em Pinheiros. Dois dias depois, matou um rapaz negro de uma família pobre em casa, na Baixada Santista, apesar de a mãe ter suplicado pela vida do filho. Ambos, segundo a polícia, tinham substâncias que pareciam drogas e contavam com armas. Mas um está preso, e o outro, morto.

A diferença de conduta vai ao encontro do que já foi defendido, em entrevista ao UOL, pelo hoje vice-prefeito eleito da capital paulista, coronel Ricardo Mello: os PMs que atuam na região nobre e na periferia de São Paulo precisam adotar formas diferentes de abordar e falar com seus moradores.

Qualquer pessoa que vive em uma região pobre sabe que sua vida vale menos do que a turma das áreas centrais, na opinião de muitos agentes de segurança, gestores públicos, magistrados e afins. Mas contamos para nós mesmos a mentira de que vivemos uma democracia de fato, quando ela nunca saiu totalmente do papel para quem não tem cascalho na conta bancária.

Policiais mataram Vinícius Britto, negro, 24 anos, apesar das súplicas da mãe dele, em uma casa de uma favela em São Vicente (SP), na noite deste domingo (8), fato revelado por reportagem de O Globo. Em um vídeo gravado por um morador, ela aparece em pânico. “Pelo amor de Deus, deixa eu entrar, eu sou a mãe dele. Vocês mataram meu filho? O que é isso? Vocês vão matar meu filho”, diz.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública afirmou que os policiais estavam em uma operação quando suspeitaram de cinco pessoas, das quais três estariam armadas. Segundo os PMs, foi apreendida uma arma e drogas com um rapaz que fugiu para um imóvel. A Polícia Civil disse que vai investigar as imagens.


Dois dias antes, o empresário Marcelo Berlinck Costa havia sido preso após atirar a esmo de uma cobertura de um prédio em Pinheiros, bairro nobre da capital, e depois de receber a polícia à bala. Ele acabou preso, com apenas um ferimento causado pelo cão policial usado para controlá-lo.

Segundo reportagem de Luís Adorno, do UOL, uma decisão judicial de setembro determinou que ele deixasse a cobertura por calote no aluguel. Após arrombarem a porta do apartamento, agentes dizem ter encontrado o que parecia ser cocaína e um verdadeiro arsenal — ele tinha registro de CAC (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador).

Vídeos obtidos pelo UOL mostram Marcelo algemado. Não estava sendo esculachado, nem jogado da ponte, nem alvejado com 11 tiros pelas costas. Foi contido com um cão, não com um tiro na cara.

Ele seria tratado da mesma forma se estivesse com a droga e as armas em uma viela de São Vicente? Se não morasse em uma cobertura no vale dourado da capital e não fosse empresário do setor de investimentos, qual teria sido seu destino?

Para responder isso, passo a palavra ao coronel da reserva Ricardo Mello, que será vice do prefeito Ricardo Nunes a partir do ano que vem. Em 2017, quando estava assumindo o comando da Rota, a força de elite da PM-SP, deu uma entrevista sincerona a Luís Adorno no UOL:

“É uma outra realidade. São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma dele abordar tem que ser diferente. Se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia], da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins [bairro rico de São Paulo], ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado”.

Isso deveria revoltar os paulistas? Sim, sem dúvida. Mas para uma parcela mais rica da população, é isso o que se espera da polícia: que trate com dignidade os abonados e desça o cacete e emparede os mais pobres. “Bandido bom é bandido morto” só para quem rouba pacotes de Omo líquido. Quem sonega um dinheirão não é bandido, mas herói.

Não há pena de morte no Brasil, mas há policiais que abraçam a função de promotor, juiz e carrasco. Diante de uma polícia com baixo índice de resolução de crimes, casos como a execução do rapaz de São Vicente são vistos como uma forma de vingança. Miliciana, violenta e injusta, claro.

A mudança retórica do governo Tarcísio de Freitas em relação à política de letalidade policial precisa vir lastreada de medidas concretas, como o fim das incursões violentas em bairros pobres — que geram centenas de mortes cotidianamente.

Mas o naco da população que aplaude em público toda vez que um preto pobre se transforma em culpado pelas balas de um policial mal treinado, mal remunerado, mal instruído ou mal-intencionado vai voltar a ser estridente após a atual comoção midiática passar.

Enquanto isso não mudar, rico vai atirar em PM e, ainda assim, ser bem tratado em SP. Já pobre vai continuar sendo jogado da ponte à toa. Detalhe importante: não estou defendendo nivelar por baixo, mas por cima.

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Last Update: 10/12/2024