Por Leonardo Sakamoto, no Diário do Centro do Mundo
Quatro dias após ter sido posto em liberdade condicional, o ex-deputado federal Daniel Silveira foi preso novamente por ordem do Supremo Tribunal Federal ao descumprir uma das regras: o horário limite para voltar para casa à noite. O caso é um incômodo lembrete aos golpistas: de que o ministro Alexandre de Moraes, que decidiu pelo Natal de Silveira na cadeia, vai trabalhar normalmente durante o recesso do Poder Judiciário.
A Procuradoria-Geral da República está avaliando a denúncia contra 40 indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado, e o chefe da instituição, Paulo Gonet, também disse que trabalharia durante parte do recesso. Espera-se que o ex-presidente Jair Bolsonaro, o general Braga Netto e um grande elenco de generais, coronéis, entre outros militares e civis tornem-se réus por tentar reduzir a pó a democracia.
Daniel Silveira não é qualquer um. Em 2022, ele foi ungido como mártir da causa golpista. E inspirou outros.
Nas semanas que antecederam o seu julgamento pelo STF, em 20 de abril daquele ano, quando ele foi condenado a oito anos e nove meses de cadeia, à multa, à perda de seu mandato e à suspensão de direitos políticos por atacar a democracia e ameaçar os ministros do STF, a máquina bolsonarista em redes sociais e aplicativos de mensagens agiu para vender o deputado como um herói que estava para ser sacrificado.
Em uma inversão de valores, martelou-se a ideia de que o deputado condenado representava uma cruzada pela liberdade de expressão, quando, na verdade, Silveira estava usando os seus direitos previstos na Constituição para atacar direitos previstos na Constituição.
A defesa pública do deputado foi transformada em um espetáculo para provar que o bolsonarismo queria a liberdade dos brasileiros enquanto os ministros do Supremo representam a grande censura. Isso ajudou a incitar ainda mais a base de fãs, que depois irromperiam em violência na Praças dos Três Poderes nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Bolsonaro defendeu Silveira e atacou a Suprema Corte nos eventos do qual participou, dando ordem unida a seus aliados no Congresso e nas redes sociais para fazerem o mesmo. Disse que não aceitaria uma condenação do deputado – até porque isso significaria, indiretamente, um limite imposto às estripulias do próprio Jair.
Tanto que, depois disso, deu um perdão presidencial a Silveira – que foi cassado pelo STF posteriormente.
O bolsonarismo-raiz considera que, por estar em uma democracia, tem o direito de atacar e limitar as liberdades de outras pessoas, ameaçando vidas e ferindo de morte a própria democracia e não ser devidamente responsabilizado por isso. Esse tipo de argumentação apela para o “paradoxo da tolerância”, citado pelo filósofo Karl Popper. A liberdade irrestrita leva ao fim da liberdade da mesma forma que a tolerância irrestrita pode levar ao fim da tolerância.
Os intolerantes argumentam que devem ter liberdade absoluta, o que significa poder para destruir a liberdade alheia. A questão é que não existem direitos absolutos, nem a vida é, caso contrário, não teríamos a legítima defesa. Nossas liberdades são limitadas pela dignidade dos outros, o que Daniel Silveira e aliados sistematicamente ignoraram.
Se o deputado ficasse impune para incitar violência a um ministro do STF, como foi o caso de Edson Fachin, dizendo que não é crime qualquer cidadão dar uma “uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência, após cada refeição”, então qualquer um também poderia continuar ameaçando o STF e o TSE de golpe sabendo que passaria ileso.