Jair Bolsonaro e Braga Netto. Foto: Divulgação

Por Luís Carlos

Em uma briga entre generais e o ex-presidente Jair Bolsonaro, todos indiciados por tentativa de golpe de Estado, devemos torcer sempre pela briga, pois ela vai jogar luz sobre os subterrâneos da conspiração.

De um lado e de outro, não há santos ou inocentes. Todos sabiam muito bem o que significa cravar um punhal verde e amarelo no coração da democracia. Agora, que o xilindró já dá aquela piscadela safada aos envolvidos, uma disputa fratricida entre eles pode ajudar a revelar detalhes úteis para a Justiça.

Para surpresa de absolutamente ninguém, a defesa do ex-presidente está trabalhando com a ideia de “golpe dentro do golpe”, ou seja, os militares usariam Jair para assumirem o poder e, depois, o descartariam. Nessa narrativa, ele seria, ao lado do Estado democrático de direito, uma vítima. Militares ouvidos por jornal Folha de S.Paulo viram “oportunismo” na estratégia. Ah, vá!

“Quem seria o grande beneficiado? Segundo o plano do general Mario Fernandes, seria uma junta que seria criada após a ação do ‘Plano Punhal Verde e Amarelo’ e, nessa junta, não estava incluído o presidente Bolsonaro”, disse um dos advogados de Bolsonaro, Paulo Amador da Cunha Bueno, em entrevista à GloboNews nesta sexta (29). Entre os militares, os generais Augusto Heleno e Braga Netto.

O próprio Braga Netto, após ser indiciado pela Polícia Federal, soltou uma nota mais preocupada em negar o “golpe do golpe”, que já circulava pelas redes bolsonaristas, do que o golpe em si. E retrucou, dizendo que “manteve a lealdade ao presidente Bolsonaro até o final do governo, em dezembro de 2022, e a mantém até os dias atuais”. Ou seja, um aviso de que o destino de um é o destino de todos.

Bolsonaro sugerir que estava sendo traído pelos generais é irônico. Na política, a traição é o maior dos pecados. Tanto que o bom político é visto como aquele que cumpre acordos, independentemente do quanto isso lhe custe. Bolsonaro é visto como traidor de aliados próximos para tentar salvar a própria pele, inclusive por eles mesmos, basta ver a quantidade de pessoas que abandonou no meio do caminho.

O prefeito Ricardo Nunes, que sentiu isso durante a campanha eleitoral, quando viu Jair prometendo apoio a Pablo Marçal enquanto os votos ainda estavam sendo contados no primeiro turno, foi apenas um na imensa lista que inclui de Gustavo Bebianno ao general Santos Cruz. Então, não é novidade a estratégia da sua defesa. Novidade seria generais acreditarem que ele não faria isso.

Jair Bolsonaro e Pablo Marçal. Foto: Divulgação

Um “golpe dentro do golpe” seria impensável? Com base no nível de respeito que parte da cúpula militar tem por Jair, eu diria que não. Não importa, contudo. Quanto mais ataques mútuos neste momento, melhor. Ajudará a Polícia Federal, da Procuradoria-Geral da República e do Supremo Tribunal Federal na tarefa de indiciar, denunciar, julgar e condenar os envolvidos.

Lembrando que o golpe não surgiu de um Bolsonaro que contaminou os militares ou de militares que manipularam o pobre Jair, mas é fruto de uma parceria.

Nos seus quatro anos de governo de Jair, os militares tiveram cargos, vantagens na Reforma da Previdência, licitações suspeitas de produtos para levantar o moral do oficialato. Eles se beneficiaram de Viagra e próteses penianas, mas também de camarão e filé mignon e continuaram ganhando pensões especiais para filhas não casadas e acesso a hospitais especiais.

Coronéis articularam bizarras reuniões em que se negociou com reverendos, servidores públicos e indicados de políticos, sobrepreço e propinas para a compra de doses de vacina contra a covid-19 enquanto pessoas morriam por falta de imunizante.

Há militares legalistas que se moveram para impedir o golpe bolsonarista, inclusive alguns foram duramente atacados pelos militares golpistas, como mostram as investigações. Mas é importante ressaltar que militares formam um dos pilares do bolsonarismo. O ex-presidente não criou a extrema direita golpista, apenas deu a ela organização e sentido através de sua eleição em 2018. Inclusive nas Forças Armadas.

Enfim, que briguem verbalmente. E que isso ajude a por para fora os bofes da conspiração.

Originalmente publicado no UOL

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Last Update: 30/11/2024