Gusttavo LIma divulga Vai de Bet durante show no São João de Maceió – Foto: Reprodução

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

O sertanejo Gusttavo Lima não é apenas um dos cantores mais ouvidos e queridos do Brasil, mas também um mecanismo para tirar dinheiro de pobre. E aqui não estou falando do cidadão que gasta seu salário com ingressos de shows ou camisetas do artista, mas dos recursos públicos que fluíram de prefeituras do interior que o contrataram. E de sua ligação com bets, que arrancam até o último centavo de trabalhadores.

Reportagem desta quarta (23) do incansável Tiago Mali, no UOL, mostra que São Luiz do Anauá, município de 7 mil habitantes em Roraima, gastou um mundo de dinheiro para construir um nababesco portal na entrada da cidade para uma festa que receberia 50 mil pessoas e um show do cantor.

O portal (inspirado na residência de estilo neoclássico de Gusttavo Lima em Goiás) ficou inacabado, assim como uma série de obras em Anauá. O show não veio e, tempos depois, a cidade decretou calamidade financeira — apesar de ser a que proporcionalmente mais recebeu emendas de parlamentares nos últimos cinco anos.

Como o evento não foi realizado, o cantor não ganhou nada com isso. Mas o caso absurdo lembra outros tantos em locais com carência de estrutura básica que contrataram o artista com verba de emendas ou de recursos enviados pela União, em uma inversão de prioridades.

Óbvio que a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte. Mas um único evento ficar com toda verba anual de cultura de um município, como não raro acontece, é, no mínimo, sacanagem.

Contratos de prefeituras com o cantor têm sido alvos de investigações. Segundo a revista Veja, um de seus shows, em Petrolândia (PE), no valor de R$ 1,1 milhão, foi cancelado diante da repercussão negativa de um inquérito contra ele por lavagem de dinheiro envolvendo um site de apostas no ano passado.

A Prefeitura de Icó (CE) tentou contratá-lo com verba originalmente destinada à Educação, mas acabou conseguindo emendas parlamentares e o homem cantou. Em Campo Alegre de Lourdes (BA), a Justiça atuou contra o show porque R$ 1,3 milhão de cachê para Lima era mais do que o valor anual da Secretaria de Cultura do município.

Já a revista Piauí apontou que R$ 1,9 milhão em emendas Pix (modalidade agora proibida pelo STF em que os parlamentares enviavam recursos a suas bases diretamente sem fiscalização ou justificativa) foram destinadas a Ituiutaba (MG) para pagar show de cantores, entre eles, Gusttavo Lima. O valor representou um quarto de todos os recursos recebidos pela cidade por meio desse tipo de emenda.

A lista de municípios e de shows é longa. Pode-se argumentar que são apenas negócios e ele não está fazendo nada ilegal. E que ilegal é o comportamento de parlamentares e prefeitos envolvidos nessas transações, principalmente se parte dos recursos desaparecerem, deixando portais inacabados enquanto o município sofre com problemas estruturais.

Mas, no mínimo, há uma questão moral sobre participar de um mecanismo que drena recursos de cidades do interior sob a ilusão de que o retorno comercial trazido por visitantes devolverá, com juros, o dinheiro investido. É como se o município fizesse uma aposta com o dinheiro do contribuinte pagando ao cantor.

Em uma live no dia 30 de setembro do ano passado, após o cancelamento em Petrolândia, ele disse que não iria mais aceitar shows de prefeituras, apesar de cobrar delas um “preço especial”.

“Peço desculpa a todos os fãs de Pernambuco, mas como era show de prefeitura… De uns dois anos pra cá é toda hora, ‘Gusttavo Lima faz show de prefeitura’. Se a gente fizer dez shows por ano… E outra coisa: são os shows mais baratos do Gusttavo Lima. A gente faz um preço especial para ter acesso aos nossos fãs. Isso gera economia. Mas está tudo bem”, afirmou.

“Mas só o Gusttavo Lima que faz show de prefeitura? Nenhum outro artista faz isso, não?” E concluiu: “Se é isso que fica espetando o Gusttavo, então não vai ter mais”. Ele ainda se apresenta em eventos que contam com prefeituras na organização, segundo o calendário de seus shows deste ano.

Sócio ou garoto-propaganda de bets

Falando em apostas, voltemos à questão das bets. Gusttavo Lima teve sua prisão preventiva decretada pela Justiça de Pernambuco no âmbito da Operacão Integration, sobre o uso de site de apostas para lavar dinheiro de jogos de azar e do jogo do bicho. Uma empresa do cantor, a Balada Eventos e Produções, teria sido empregada para legalizar grana. A decisão de prisão foi, posteriormente, revogada.

Segundo as investigações, Lima havia adquirido 25% da casa de apostas Vai de Bet no ano passado. Em uma live, ele disse que o contrato era, na prática, de remuneração por ser divulgador da bet. “Não sou sócio da Vai de Bet, sou garoto-propaganda”, disse.

Do ponto de vista prático, isso é ainda pior.

Influenciadores, jogadores de futebol e artistas emprestam seu prestígio para um negócio que é um dos mais perversos mecanismos de transferência de renda de pobres para ricos. As bets proliferam com anúncios agressivos, patrocínios milionários e a promessa de enriquecimento fácil. Não é difícil entender por que elas se multiplicam como praga em solo brasileiro. O negócio é simples: oferecer ao trabalhador a ilusão de que pode transformar sua vida.

O cantor bolsonarista Gusttavo Lima – Foto: Reprodução

O que não se diz é que a esmagadora maioria perde – e perde muito. Tudo isso alimenta um sistema que drena recursos de quem não tem para engordar quem já está nadando em dinheiro.

Enquanto isso, famílias são destruídas por dívidas acumuladas em apostas perdidas, histórias de violência doméstica e de suicídio ligadas ao vício em jogos se multiplicam e jovens são seduzidos por uma lógica perversa que substitui o trabalho pelo golpe de sorte. As bets não são apenas um entretenimento inofensivo – são uma máquina de moer gente, especialmente em um país onde a educação financeira é precária e a desigualdade, abissal.

Aliás, ele ainda conseguiu juntar municípios e bets. Segundo apuração do UOL, Gusttavo Lima fez propagandas da Vai de Bet em dois shows bancados com verba pública, em que ganhou cachês milionários para cantar: no São João 2024 de Maceió (AL), quando recebeu R$ 1,2 milhão, e de Santa Rita (PB), mais R$ 1,1 milhão.

A desculpa de Gusttavo Lima não convence. Querido por muita gente, o “Embaixador”, como é chamado, acaba se aproveitando disso e tirando recursos dos fãs mais vulneráveis, que são aqueles que dependem de serviços públicos e os que resolvem apostar para tentar sair da pobreza.

Tempos atrás, ele demonstrou vontade de se candidatar à Presidência da República, o que foi uma operação de marketing e não um lançamento de pré-candidatura. Experiência para colocar seus interesses pessoais à frente às necessidades do povo ele já tem.

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Last Update: 24/07/2025