Homem manuseia notas de R$ 50 – Foto: Reprodução

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

Tenho um arrepio na espinha quando vejo economistas com pedigree, nobres deputados e senadores e cidadãos criados no leite de pera virem a público para dizer que, neste momento, sacrifícios precisam ser feitos para evitar que o Brasil quebre. Mas empurram apenas a xepa para ser imolada no altar do que chamam bom senso. E se alguém lembra “e os ricos?” é chamado de burro.

Daí vem uma enxurrada de ideias que começam com o fim do aumento real do salário mínimo, passam por mudanças no investimento constitucional em educação e saúde que beneficia o povaréu até a desvinculação dos benefícios previdenciários e assistenciais desse mínimo – porque, como sabemos, quando envelhecemos, aprendemos a realizar fotossíntese e dinheiro é acessório.

Desvincular significaria que o reajuste anual desses benefícios ocorreria apenas pela inflação ou, talvez, nem isso. Com o passar dos anos, a situação distanciaria o seu valor do mínimo salário vigente — que voltou a ter ganhos reais, ou seja, acima da inflação, desde o início do terceiro governo Lula.

Constrói-se, aos poucos, e silenciosamente, a ideia de que o Brasil não aguenta pagar o mínimo para garantir uma vida digna a quem não está na ativa e aposentado. Lembrando que hoje ele está em R$ 1.518, bem longe dos R$ 7.528,56, calculados mensalmente pelo Dieese, a fim de cumprir o mínimo constitucional e garantir vida digna a uma família.

Viver uma democracia não é apenas ter liberdade para investir e ganhar dinheiro, mas também dividir as responsabilidades nos momentos de dificuldade. Direitos e deveres vêm de mãos dadas na Constituição. Mas a democratização do chicote provoca pavor em muita gente do andar de cima e naqueles que defendem os mais ricos mesmo não tendo aonde cair morto.

Pequeno gafanhoto, calma, não estou aqui defendendo que os pobres não entrem no grande esforço nacional, até porque eles são sempre os primeiros a serem apontados como “voluntários” para tanto. Estou falando de isonomia, com cada qual contribuindo de acordo com suas possibilidades e sob a luz da Justiça social e tributária que é o espírito da Constituição de 1988.

“Japonês burro, os pobres já são beneficiados com bolsa-vagabundagem.” Curiosamente, o programa de transferência de renda para os miseráveis tem custo de cerca de R$ 160 bilhões, beneficiando cerca de 54 milhões de almas. Enquanto isso, benefícios e renúncias fiscais para o andar de cima somam cerca de R$ 800 bilhões e são uma mão na roda, dos donos de empresas com poder de lobby aos mais ricos que conseguem deduzir integralmente gastos de saúde no Imposto de Renda.

Se dar dinheiro aos pobres os torna vagabundos, dar aos ricos os transformam em indolentes? “Ah, mas os ricos produzem riqueza.” E o trabalho dos pobres produz o quê? Vento?

Há problemas com o Orçamento e a Previdência que precisam, mais cedo ou mais tarde, ser encarados de frente. Mas seria fundamental que antes de tungar o andar de baixo para fechar as contas, o Congresso começasse com o andar de cima. Não que cortar privilégios dos mais ricos vá resolver o problema, mas isso ajuda pelo menos a fingir que vivemos realmente em uma democracia.

Por exemplo, taxando quem ganha mais de um milhão por ano via dividendos de empresas e paga menos imposto que alguém que recebe três salários mínimos por mês. Limitando os privilégios de servidores dos Três Poderes, principalmente do Poder Judiciário, que dão um jeitinho de ganhar bem mais que o teto do funcionalismo. E escrutinando benefícios e renúncias fiscais.

É claro que nem tudo pode ser cortado nesse bolo de R$ 800 bilhões. Mas há sim coisas que poderiam ser reduzidas se houver vontade política, apesar do que dizem os céticos e cínicos de plantão. A tarefa, contudo, se mostra difícil até o osso. O ministro Fernando Haddad já perdeu uma disputa com setores que contam com benefícios, como os que conseguiram junto ao Congresso a extensão da desoneração de suas folhas de pagamento.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad – Foto: Reprodução

Como sempre digo aqui, é mais fácil o tal camelo passar pelo buraco da tal agulha do que algo mudar nessa seara, considerando que há parlamentares que são soldados desse povo e lobistas operam 24/7 no Congresso para que tudo fique exatamente como está. Infelizmente, o andar de baixo não é ouvido.

É fato que déficits da Previdência Social vêm aumentando e que isso não pode ser ignorado. Mas reclamar disso e não falar de todas as causas é sacanagem. Com categorias que se beneficiam de condições especiais (como os militares), o sistema sangrando através de fraudes trabalhistas (como terceirização e pejotização ilegais) e até a resistência de plataformas de motoristas e entregadores de recolherem encargos previdenciários (o sistema de MEI é importante, mas ele gera um baita déficit), a situação realmente fica difícil.

Enquanto isso, trata-se bom senso como tirar do andar de baixo e preservar o de cima. A tentativa de golpe de Bolsonaro foi mais escancarada, o que não significa que seja a única que temos visto por aí.

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Last Update: 30/06/2025