
Por Leonardo Sakamoto, no UOL
Donos de bets e jogos on-line ganharam R$ 17,4 bilhões apenas no primeiro semestre deste ano. Essa é a diferença entre aquilo que é apostado e o prêmio efetivamente pago, ou seja, o dinheiro que vai diretamente do bolso do trabalhador para o da empresa.
Para efeito de comparação, a perda de massa salarial causada pelo tarifaço de Donald Trump ao Brasil seria de R$ 14,3 bilhões ao longo de um ano no cenário hipotético em que não houvessem ações para minimizar os prejuízos, o que já está acontecendo.
A informação sobre as bets é da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, publicada hoje pela Folha de S.Paulo. A do tarifaço é de um estudo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos e Socioeconômicos).
Ou seja, a jogatina on-line lucrou em cima dos trabalhadores em um semestre mais do que o tarifaço dos Estados Unidos roubaria do bolso dos trabalhadores em um ano, caso não o governo federal não adotasse medidas de redução de danos e investisse em negociações.
O interesse do governo dos Estados Unidos através de suas sanções não é apenas pressionar pela impunidade de Jair Bolsonaro e intervir no resultado das eleições presidenciais de 2026, mas também ganhar mais dinheiro ainda do que já ganham com o nosso país.
Mas se o tarifaço já está trazendo desemprego e sofrimento para muita gente, as bets se consolidam como um dos mais perversos mecanismos de transferência de renda de pobres para ricos. O vício em apostas tem sido responsável pela erosão de famílias e até o suicídio de trabalhadores endividados. Gastos com bets foram o motivo de 34% dos jovens adiarem a entrada na faculdade — dados da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior.
A regulamentação dessa atividade foi mamão com açúcar para as empresas, com gestores mostrando-se satisfeitos com os bilhões que entrariam de impostos. Ignoraram os alertas de que o cascalho arrecadado não iria fazer cócegas diante dos gastos com atendimento aos viciados no jogo. E o SUS já está sobrecarregado com gente que se lascou com apostas.
O ministro Fernando Haddad propôs aumentar a taxação sobre os ganhos das casas de apostas, provocando ranger de dentes e ameaças, para substituir o aumento do IOF. Sim, o pessoal que causa um prejuízo incalculável em termos de saúde pública ao Brasil e lucra explorando trabalhadores que fantasiam em resolver seus problemas com alguns cliques no celular deveria estar feliz de poder operar por aqui. Mas faz beicinho.

As bets proliferam com anúncios agressivos, patrocínios milionários e a promessa de enriquecimento fácil. Não é difícil entender por que as bets se multiplicam como praga em solo brasileiro. O negócio é simples: oferecer ao trabalhador a ilusão de que pode transformar sua vida. O que não se diz é que a esmagadora maioria perde – e perde muito. Tudo isso alimenta um sistema que drena recursos de quem não tem para engordar quem já está nadando em dinheiro.
Enquanto isso, famílias são destruídas por dívidas acumuladas em apostas perdidas, histórias de violência doméstica ligadas ao vício em jogos se multiplicam e jovens são seduzidos por uma lógica perversa que substitui o trabalho pelo golpe de sorte. As bets não são apenas um entretenimento inofensivo – são uma máquina de moer gente, especialmente em um país onde a educação financeira é precária e a desigualdade, abissal.
O Estado brasileiro demora para proibir anúncios de bets, como proibimos anos atrás os dos cigarros, e para aumentar os impostos contra elas, o jogo segue rolando. E, como sempre, a banca ganha.
Se olhássemos com uma fração da preocupação que temos pelo tarifaço para as crises econômica e saúde pública impostas aos trabalhadores pela jogatina on-line, talvez teríamos avançado na proibição à propaganda das bets.
Ambos, de acordo com a sua natureza, são danosos ao país. A diferença é que o tarifaço é bem tolerado pela extrema direita e as bets, por gente de todos os campos ideológicos.