Saídas do desejo autoritário: a sustentação do vazio

por Eliseu Raphael Venturi

Não é a presença do excesso que funda o autoritarismo, mas o horror ao vazio. O desejo autoritário, antes de ser um projeto político, é uma forma de gestão da angústia — da angústia que emerge quando o mundo já não oferece garantias simbólicas suficientes para sustentar o sujeito. O Outro está em ruínas, a lei não organiza, os significantes se descolam do real, e o que resta é o sem-sentido escancarado da existência. Diante disso, muitos desejam não liberdade, mas direção. Não ambiguidade, mas certeza. Não linguagem, mas comando.

Há um equívoco recorrente em pensar que o autoritário é quem detém o poder. Ele o detém, sim, mas como suplência. Ele aparece onde o simbólico falha, como gozo de substituição. O desejo autoritário é, nesse sentido, uma resposta subjetiva à queda da consistência simbólica do Outro. Onde havia hesitação, instala-se a ordem. Onde havia escuta, impõe-se a voz. Onde havia falta, instaura-se a plenitude forjada de um saber absoluto, uma identidade fixa, uma norma sem lacuna. O desejo autoritário busca eliminar o vazio, como se isso fosse possível.

Mas não é. E é aí que a psicanálise insiste. O vazio é estrutural. Não há sujeito sem falta, não há linguagem sem equívoco, não há laço sem resto. A tentativa de tamponar esse vazio com soluções totais, dogmas, líderes infalíveis ou tecnologias de controle apenas desloca a angústia para novos modos de violência. Toda a pulsão de completude, toda nostalgia de um mundo pleno, todo projeto de purificação simbólica é um modo de gozar contra o real da falta. E o custo é sempre alto: repressão, silenciamento, homogeneização, extermínio da diferença.

A sustentação do vazio, ao contrário, não promete salvação. Ela não oferece sentido onde não há, nem responde com pressa ao que exige escuta. Ela se recusa a preencher — porque sabe que o preenchimento só agrava o buraco. Sustentar o vazio é manter aberta a estrutura de incompletude que nos constitui, sem ceder à tentação de um Outro totalizante. É não ceder ao pânico do silêncio, à vertigem da não resposta, à angústia de não saber. E é precisamente nessa sustentação que emerge o ético: quando o sujeito não recorre ao poder, mas suporta a falta como condição da linguagem e da convivência.

Essa posição é profundamente política, ainda que silenciosa. Ela se manifesta em quem se recusa a aderir ao delírio do sentido total, em quem não exige coerência onde só há contradição, em quem aguenta o intervalo entre o grito e a escuta. No espaço público, ela aparece na recusa da normatividade sufocante, na desconfiança diante das soluções fáceis, na paciência diante da alteridade. No plano jurídico, ela se dá quando o operador do Direito hesita diante da norma, escuta o caso, reconhece o que não cabe. No plano clínico, quando o analista não interpreta por gozo, mas sustenta o silêncio onde a palavra ainda não nasceu.

Sustentar o vazio não é abandonar o outro à própria sorte, mas recusar-se a domesticá-lo. Não é passividade, mas ato ético: não responder quando toda resposta seria fechamento. É recusar o pacto com a autoridade que demanda sentido absoluto. É resistir à velocidade da resposta tecnocrática, à tentação do algoritmo que sabe antes do sujeito, ao protocolo que reduz a dor à categoria. É deixar que o tempo da escuta e do inconsciente desmonte o tempo do gozo imediato.

O desejo autoritário quer um mundo legível, moralmente ordenado, sem ambiguidades, sem dúvidas. A sustentação do vazio aposta na convivência com o ilegível, com o ambíguo, com o que insiste sem ser capturado. Ela afirma que não há mapa definitivo, apenas caminhos que se abrem quando o sujeito suporta não saber de antemão aonde vai. Por isso, ela não se opõe diretamente ao autoritarismo — ela o dissolve por não responder à sua demanda. Ela desautoriza o autoritário por não funcionar como espelho.

Sustentar o vazio é, no fundo, sustentar o sujeito. Não o sujeito do ego fortalecido, mas o sujeito dividido, marcado pela falta, capaz de não se esconder atrás de nenhuma verdade. Esse sujeito, mesmo vacilante, é o que pode desejar sem autorizar-se no Outro. Pode amar sem capturar. Pode escutar sem dominar. Pode dizer sem garantir. E talvez só aí se possa falar de uma verdadeira política: uma política da ausência, da hesitação, da escuta. Uma política que, longe de querer resolver a angústia do mundo, seja capaz de habitá-la com dignidade.

Eliseu Raphael Venturi é doutor em direitos humanos e democracia e radicado em Curitiba/PR.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: https://www.catarse.me/JORNALGGN

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 08/08/2025