A intensificação da guerra comercial entre Estados Unidos e China tem levado empresas chinesas a reavaliar suas estratégias de internacionalização, reduzindo o foco no mercado norte-americano e priorizando outros destinos para investimentos em instalações produtivas.

Segundo representantes do setor, a incerteza quanto ao acesso ao mercado dos EUA levou à queda nas consultas por terrenos industriais no México, um dos principais destinos da indústria chinesa nos últimos anos.

Jack Lee, agente imobiliário industrial com atuação nos Estados Unidos e especializado em atender empresas chinesas, afirmou que houve uma “redução drástica” na procura por terrenos para compra ou aluguel no México.

O país havia se consolidado como destino estratégico desde o governo de Donald Trump, quando as tarifas sobre produtos chineses foram elevadas. A proximidade com os Estados Unidos e a participação no Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA) garantiam vantagens tributárias para produtos fabricados no México que cumprissem requisitos de origem regional.

Com o retorno de Trump à presidência em janeiro e a escalada das tensões comerciais, surgiram dúvidas quanto à continuidade dos benefícios previstos no USMCA para produtos de origem chinesa. O acordo passará por revisão em 2026, e o histórico de aumento unilateral de tarifas por parte do ex-presidente reforçou o clima de incerteza entre investidores.

“Para aqueles que já têm investimentos no México… eles também não estão expandindo; estão apenas ganhando o mínimo necessário no momento”, declarou Lee. A taxa de vacância de imóveis industriais em Monterrey, principal polo de instalação de empresas chinesas no país, subiu para 5,6%, ante níveis inferiores a 1% nos quatro anos anteriores.

A alternativa de construção de fábricas diretamente nos Estados Unidos também enfrenta obstáculos. A percepção de hostilidade política contra a China, sobretudo em estados com maioria republicana, tem afastado empresas chinesas da ideia de expansão dentro do território norte-americano.

Diante desse cenário, empresas chinesas começaram a priorizar outros mercados. Países como Brasil, Hungria, Sérvia e Arábia Saudita têm sido considerados como locais alternativos para instalação de unidades industriais voltadas a atender regiões específicas como América Latina, Europa e Oriente Médio.

Além das restrições impostas pelo ambiente externo, empresas chinesas enfrentam controles mais rígidos por parte do governo da China. Em setores considerados estratégicos, como fabricação de automóveis e inteligência artificial, Pequim intensificou o controle cambial e os critérios de aprovação para transferências de recursos ao exterior. Segundo Lee, autorizações para envio de divisas que antes levavam semanas agora podem demorar meses ou até mais de um ano.

As consequências da guerra comercial também afetam diretamente empresas já instaladas nos Estados Unidos. Ocean Yuan, CEO da Grape Solar e presidente da Associação de Energia Solar EUA-China, informou que a imposição de novas tarifas sobre painéis solares e componentes eletrônicos impactou de forma significativa as margens de lucro. Segundo ele, as tarifas sobre produtos oriundos da China e de quatro países do Sudeste Asiático superam 100%.

Essas medidas encerraram canais alternativos que vinham sendo utilizados pelas fabricantes chinesas para mitigar custos por meio do redirecionamento da produção. Além disso, Yuan destacou que o projeto de lei aprovado pela Câmara dos Representantes dos EUA em maio, denominado “One Big Beautiful Bill Act”, poderá eliminar créditos fiscais que beneficiam a indústria solar, reduzindo ainda mais a viabilidade econômica da operação.

“Portanto, os choques vêm tanto do lado da oferta quanto da demanda”, afirmou Yuan. Segundo ele, empresas chinesas que haviam investido em fábricas de painéis solares nos Estados Unidos agora consideram vender essas unidades. No entanto, a queda na demanda torna o processo difícil: “Você pode acabar em uma situação em que ninguém a quer por US$ 10 milhões, mesmo que tenha investido US$ 100 milhões”, disse.

Com a saturação do mercado interno na China e as dificuldades de manter operações lucrativas nos Estados Unidos, empresas do setor de energia solar passaram a avaliar novos mercados. O foco agora se desloca para regiões como Oriente Médio e Sudeste Asiático, onde ainda é possível operar com margem positiva.

Segundo Yuan, embora esses mercados não ofereçam os mesmos retornos do mercado norte-americano em períodos anteriores, ainda permitem que as empresas atuem sem prejuízo, o que tem sido o critério central para redirecionar os investimentos internacionais.

A mudança de foco evidencia uma reconfiguração na estratégia global da indústria chinesa diante do novo cenário geopolítico. A perda de previsibilidade nas relações comerciais com os Estados Unidos e as restrições internas impostas por Pequim moldam uma nova fase para as empresas que, até recentemente, tinham o mercado americano como prioridade.

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Last Update: 16/06/2025