Os iranianos vão às urnas nesta sexta-feira (28) para escolher o novo presidente da República Islâmica. Uma votação organizada com urgência, após a morte do presidente Amir-Hossein Ghazizadeh Hashemi, há pouco mais de um mês. Esta também será a segunda eleição após o movimento Mulher, Vida e Liberdade que abalou a República iraniana, após a morte de uma jovem pela polícia da moralidade. Um contexto difícil, que envolve inúmeros desafios para os candidatos em disputa.

Na véspera da eleição, o candidato ultraconservador Amir-Hossein Ghazizadeh Hashemi, de 53 anos, retirou sua candidatura presidencial, nesta quinta-feira, segundo informações do Ministério do Interior do país. Ele era vice-presidente de Ebrahim Raisi, que morreu em um acidente de helicóptero, em 19 de maio. Na rede social X, Hashemi justificou sua saída da disputa com o desejo de “preservar a unidade das forças da revolução”. Ele também pediu aos outros candidatos conservadores e ultraconservadores que “concordassem” no apoio a um candidato para oferecer uma frente unida.

O deputado Massoud Pezeshkian é o único candidato reformista.

A eleição de Ebrahim Raisi em 2021, sem uma verdadeira oposição, marcou uma virada histórica do regime iraniano rumo ao totalitarismo. Após a abstenção recorde nas eleições legislativas de fevereiro passado – 59%, segundo as autoridades iranianas – o sistema político do país ficou ainda mais desacreditado. Este ano, a qualificação de um dos candidatos apoiados pelos reformistas soou, portanto, como um desejo de provar que o jogo democrático ainda funciona no Irã.

“O fato de grandes figuras reformistas como Javad Zarif apoiarem Masoud Pezeshkian mostra que algo pode acontecer”, analisa o pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas da França (IRIS), Thierry Coville. “Estima-se que 15% da população iraniana apoia ativamente o regime, 15% o odeia e o restante é a chamada camada cinzenta que está infeliz, mas quer uma mudança pacífica. A grande questão é se Masoud Pezeshkian conseguirá despertar o interesse desta camada cinzenta“, pergunta Coville.

Masoud Pezeshkian, candidato à Presidência do Irã.
Foto: MORTEZA FAKHRINEJAD / IRIB / AFP

A tarefa não é fácil, o candidato se apresentou como um reformador conservador. Muitas personalidades reformistas anunciaram durante as últimas eleições legislativas que já não acreditavam na capacidade da República Islâmica de se reformar por dentro. Alguns dos opositores estão atrás das grades e parte da população perdeu a confiança nos líderes para mudar as coisas.

“É tudo apenas um jogo”, diz Hajar, que escolheu um nome falso para testemunhar. Esta jovem de trinta anos é professora numa grande cidade perto de Teerã. Ela diz que nunca votou e não votará nesta sexta-feira. “Alguns candidatos chegaram a usar a música Barayé, hino do movimento das mulheres, para convencer pessoas ingênuas de que estão defendendo seus valores. Mas a realidade é que, mesmo que quisessem, não havia nada que pudessem fazer. Quem governa o país são os Guardas Revolucionários, só isso”, diz, contrariada.

Qual o papel do presidente?

Os poderes do presidente parecem, de fato, terem sido reduzidos nos últimos anos. O Guia Supremo sempre teve a última palavra sobre as principais linhas políticas do país, mas a margem de manobra do presidente evoluiu, desde 1979. “As diplomacias ocidentais viram claramente que é diferente negociar com Mahmoud Ahmadinejad ou com Hassan Rouhani”, nota Thierry Coville. “A dificuldade é demonstrar lealdade ao guia agindo nos bastidores ou indiretamente, quando o presidente não concorda com o governo religioso”, explica.

Desde a eleição de Ebrahim Raisi, o cargo de presidente parece ter sido reduzido a uma função honorária de implementação de políticas escolhidas no topo do poder. “Apesar de tudo, um pequeno espaço de liberdade seria suficiente para a população iraniana investir e trabalhar”, afirma Chowra Makaremi, antropóloga e investigadora do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS). “O que mudou desde 2022 é que a sociedade sabe o que acontece. As pessoas sabem o que querem e do que são capazes. No Irã, pode haver mau humor eleitoral, mas se alguém chegar ao poder e começar a suavizar o seu discurso, sabendo que Ebrahim Raisi fez um discurso extremamente teocrático, se as coisas mudarem, não tenho dúvidas de que a sociedade civil trabalhará para abrir uma brecha. Ela provou que estava preparada para esse jogo de paciência com as instituições do Estado”, completa a acadêmica.

Um tema que dominou a campanha foi a terrível realidade econômica em que o país se encontra. “De um dia para o outro, ou mesmo no espaço de algumas horas, o preço de um bem pode aumentar enormemente”, lamenta Hajar. “Tem gente que não consegue se cuidar, comprar comida ou que não tem mais um teto para morar. Continuamos a cair cada vez mais na pobreza”, lamenta.

Um dos grandes temas da campanha são as sanções impostas pela comunidade internacional, liderada pelos Estados Unidos. Elas continuaram a aumentar no atual contexto internacional. Entre o apoio iraniano ao Hamas e à Rússia e a continuação do programa nuclear, é difícil que as relações se tornem mais brandas. No entanto, dos três principais candidatos, dois apoiam negociações para aliviar estas tensões.

Mohammad Ghalibaf também acredita que o fim das sanções é a única motivação para novas discussões com diplomatas europeus e americanos. No entanto, ele apela ao aumento das capacidades nucleares do país para forçar os ocidentais a negociar com o Irã. O candidato apoiado pelos reformistas, Massoud Pezeshkian, promove o restabelecimento de relações construtivas com Washington e as capitais europeias, a fim de tirar o Irã do seu isolamento.

“Todas essas discussões em torno de sanções não passam de mentiras”, avalia Hajar. “Dizem muita coisa no cenário internacional, mas internamente nada muda para a população. A realidade é que as elites deste país são todas corruptas.”

O candidato Ghalibaf, presidente do Parlamento iraniano, também é citado em vários casos de corrupção quando era prefeito de Teerã. Há quatro anos, foi a imagem incorruptível de Ebrahim Raisi, antigo chefe do sistema judicial iraniano, que deu esperança aos seus eleitores. Porém, durante os três anos do seu mandato, a situação não parece ter mudado.

Quem sucederá ao Líder Supremo?

Enquanto muitos aguardam para conhecer o nome do próximo presidente da República Islâmica, a perspectiva principal continua a ser a da sucessão do Guia Supremo. Ali Khamenei tem 85 anos e está à frente do país desde 1989.

O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei.
Foto: KHAMENEI.IR / AFP

O ex-presidente Raisi chegou a ser cogitado para substituí-lo. “Na realidade, não sabemos realmente se o Guia deu o cargo de presidente a Raisi para servir de trampolim para Guia Supremo ou se o desejo do Guia era colocar no poder uma personalidade obediente e pouco carismática e que não aproveitaria a vacância no cargo de Guia Supremo para aumentar o poder do presidente”, explica a antropóloga Chowra Makaremi.

O novo presidente poderá, portanto, ter de gerir este período crucial na história da República Islâmica do Irã. Também não se sabe até que ponto a morte de Ali Khamenei poderá abalar o sistema. “Cada um tem a sua teoria, mas a realidade é que a opacidade é um dos elementos poderosos do regime. É nas crises, e possivelmente no momento da morte de Khamenei, que talvez possamos compreender isso”, conclui Chowra Makaremi.

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Última Atualização: 01/07/2024