A grande mobilização para barrar o PL do estupro demonstrou a eficácia da esquerda na comunicação online, rivalizando com a direita, tradicionalmente dominante nessa área. O foco na proteção de crianças estupradas em vez de saúde pública e liberdade feminina, segundo especialistas, foi crucial para essa nova abordagem.
A rápida resposta à votação da urgência do projeto e a estratégia de ampliar a mobilização além da bolha feminista foram fundamentais. Após pressão popular, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou a criação de uma “comissão representativa” para analisar o mérito do projeto de lei 1904, retardando sua tramitação.
O projeto, do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), equipara o aborto após 22 semanas de gestação a homicídio simples, mesmo nos casos previstos na Constituição – estupro, anencefalia do feto ou risco à vida da mãe. Segundo Pablo Ortellado, professor da USP, “a esquerda mostrou que pode construir uma campanha efetiva quando encontra a mensagem correta”. Ele destacou que “uma parte significativa dos conservadores considera absurdo obrigar uma mãe a parir o filho do estuprador”.
A nova estratégia dos defensores do direito ao aborto começou no final de 2022, quando a Câmara ameaçou aprovar o Estatuto do Nascituro, proibindo o aborto em qualquer circunstância. O discurso passou a focar na proteção de crianças e jovens vítimas de estupro, deixando de lado a ênfase na saúde pública e na ciência.
Débora Diniz, professora da UnB e fundadora do Instituto de Bioética Anis, afirmou que “a direita monopolizava o discurso de defesa das meninas estupradas”. A mudança foi adotada em pronunciamentos e postagens por influenciadoras, ativistas e autoridades como a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, e a primeira-dama Janja da Silva.
A mobilização intensificou-se após a aprovação de uma resolução do Conselho Federal de Medicina que proibia a assistolia fetal, prática recomendada pela OMS para abortos legais após 20 semanas de gestação. Em maio, o ministro do STF Alexandre de Moraes suspendeu a resolução, provocando a apresentação do PL Antiaborto por Estupro.
Quando o requerimento de urgência do projeto foi colocado em pauta, a organização CFemea convocou uma reunião de emergência com diversos movimentos, traçando um plano de ação rápida. Laura Molinari, coordenadora da campanha Nem Presa Nem Morta, começou a disseminar postagens nas redes sociais com a hashtag #CriançaNãoÉMãe.
A plataforma Criança Não é Mãe foi reativada para pressionar Lira, enviando quase 350 mil emails. Segundo Maira Baracho, da organização Nossas, “foi uma das maiores campanhas da Nossas, ajudando a ampliar a mobilização para além dos convertidos”.
Em 5 de junho, o projeto foi retirado da pauta de votação, mas voltou em 12 de junho e teve o regime de urgência aprovado. A partir desse ponto, a resposta contrária ao projeto se intensificou nas redes sociais e nas ruas, ocorrendo diversos protestos contra a aprovação do PL.
"Criança Não É Mãe" – manifestações na Cinelândia, Rio de Janeiro, hoje (13), para protestar contra a PL do aborto. Manifestações também ocorreram em Florianópolis, Brasília e São Paulo. #CriançaNãoÉMãe #CriancaNãoÉMãe pic.twitter.com/kmqDdRrgeV
— HbjR (@hbj_r77032) June 14, 2024
PL DO ABORTO: Vídeo mostra manifestações em Manaus e outras cidades contra proposta pic.twitter.com/KANGrprvCT
— Tucumamidias4 (@Tucumamidias411) June 14, 2024
PL DO ABORTO: Vídeo mostra manifestações no país contra proposta pic.twitter.com/LWOAO3kHVF
— Tucumamidias4 (@Tucumamidias411) June 14, 2024
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