O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou o recurso de agravo impetrado por Rui Costa Pimenta, presidente nacional do Partido da Causa Operária (PCO), contra uma decisão em favor do deputado Kim Kataguiri, do União Brasil e do Movimento Brasil Livre (MBL). Pimenta foi condenado a pagar uma multa de R$10 mil por ter feito uma análise política na qual criticava Kataguiri por tentar impedir o envio de ajuda humanitária à população da Faixa de Gaza durante um cerco que resultou na morte de centenas de pessoas por fome.
Kataguiri processou Pimenta para defender a sua suposta “honra” após ter sido chamado de “palhaço” e “nazistinha”.
Em entrevista ao programa Análise da 3ª, da Rádio Causa Operária, explicou que nazismo não é crime — portanto, Kataguiri não poderia ter o processado por sua fala. A Lei brasileira estabelece apenas que é crime “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda” para fins de divulgação do nazismo. Trata-se de uma lei inconstitucional, promulgada em 1989. Mesmo assim, nem ela prevê que a defesa do nazismo em si enquanto ideologia é crime.
Kataguiri também acusa Pimenta de acusá-lo de “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Também não foi isso o que fez o dirigente. O presidente do PCO apenas criticou a sua política de restrição de alimentos a uma população cercada — o que, por sua vez, configura crime de guerra.
Apesar de Pimenta ter criticado a política de Kataguiri, e não falado nada de sua “imagem” em si, é curioso que quem cuida das redes sociais do próprio Kim Kataguiri não se preocupa tanto com sua imagem. O deputado já publicou uma montagem sua vestido de soldado japonês da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A bandeira que aparece no fundo é um símbolo do fascismo japonês, ou seja, do nazismo japonês.
O príncipe Mikasa, membro da Casa Imperial do Japão, que foi um soldado que esteve na China, escreveu um livro em 1984 em que ele revelou atrocidades cometidas pelo exército. Ele disse que viu que os oficiais japoneses utilizavam prisioneiros de guerra para treinar no uso de baionetas. Ou seja, basicamente usava alvos humanos para os soldados treinarem. Os prisioneiros eram amarrados em postes e esfaqueados com a ponta da baioneta. Uma grande quantidade deles foram encontrados nesses postes asfixiados.
O exército japonês cometeu várias atrocidades, inclusive experiências com seres humanos. Um exemplo foi que eles estavam testando possíveis tratamentos para necrose obtida após muito tempo em hipotermia severa. Eles colocaram prisioneiros em lugares muito frios, jogando água neles periodicamente, com os braços expostos. Depois disso, removiam esses membros para ver se a pessoa conseguiria sobreviver.
No processo, Flávio Dino afirma que Pimenta extrapolou a liberdade de expressão. Inclusive, as matérias que falaram do caso afirmam ter sido uma “extrapolação” ter chamado o Kim Kataguiri de “palhaço”. Ou seja, no Brasil, não se pode falar mais nada. Uma pessoa poderá ser chamada por chamar alguém de idiota.
“Eu acho que isso daí é um sinal de barbárie. Não é uma coisa civilizada, não é uma coisa democrática. Não sei como que o pessoal pode acreditar que essas coisas são para a democracia”, declarou Rui Pimenta.
A censura, aqui se revela claramente como um instrumento de repressão do Estado capitalista contra os trabalhadores e suas organizações. Toda a história de que a censura serviria para defender os oprimidos cai por terra diante de medidas como a de Flávio Dino.
O caso é também grotesco do ponto de vista da conduta do ministro enquanto juiz. Sua decisão, que censura o presidente nacional de um partido em defesa da “honra” de um deputado de extrema direita, tem pouco mais que 500 palavras. O caso mostra, assim como ficou claro no caso de Natália Pimenta, cujo remédio necessário para prolongar sua vida foi negado pelo Judiciário, que os juízes brasileiros debocham com a cara da população.
Ter acesso à Justiça significa não apenas que o cidadão pode entrar com um processo, mas que seu processo vai ser levado a sério pelo juiz. Porque se o juiz não leva a sério, e ele simplesmente descarta o que está se falando, não argumenta e não observa os argumentos, qual o sentido de o cidadão entrar na Justiça?
Embora Flávio Dino tenha sido indicado pelo presidente Lula, ele já era, à época, um repressor. Esse fato apenas demonstra isso. Na prática, o ministro está defendendo uma política que visava impedir que a população de Gaza, mulheres e crianças, recebessem ajuda humanitária.
Em seu despacho, Dino afirma:
“Verifica-se que o Tribunal de Origem entendeu, em análise aos fatos e provas constantes dos autos, que houve um abuso de direito por parte do agravante, tendo extrapolado em sua liberdade de expressão e de imprensa e ofendendo a honra do agravado.”
“Conclui-se, portanto, que a decisão da Corte do Distrito Federal está alinhada à jurisprudência desta Suprema Corte, no sentido de que as liberdades de imprensa e comunicação social devem ser exercidas em harmonia com os demais preceitos constitucionais, tais como a vedação ao anonimato, a inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, o sigilo da fonte e a vedação à discriminação e ao discurso de ódio.”
Ele cita aqui uma Ação Direta de Inconstitucionalidade relatada pelo ministro Dias Toffoli e votada pelo Pleno em 2021:
“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. Inciso primeiro: nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social. Observado o disposto no artigo 5º, incisos 4, 5, 8 e 14. É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. [grifo nosso]”
Ocorre que a própria ação que Dino cita é uma crítica de natureza política. O problema é que o STF já não é mais obrigado a seguir a Constituição, nem as leis criadas depois dela, nem mesmo a coerência da jurisprudência da Corte. Da cabeça de um dos ministros, pode sair qualquer coisa.
O STF estabeleceu uma ditadura no país onde ele se coloca acima do Congresso e do Executivo. E a esquerda pequeno-burguesa foi a principal responsável por isso. A censura é uma política de direita, do grande capital, mas que, sem o apoio da esquerda, jamais entraria em vigor.
A decisão contra o PCO é gravíssima. No entanto, segundo Rui Costa Pimenta, o Partido irá responder à altura.
“No que se refere ao PCO, tudo que as pessoas fizerem contra o PCO vai ter um preço a ser pago. E esse preço é político.”
O dirigente também prometeu continuar a denúncia pública sobre o caso:
“O Kim Kataguiri se engana se acha que isso vai deter a crítica do PCO. Pelo contrário. Nós vamos fazer um esforço aqui para que todo mundo saiba quem é o Sr. Kim Kataguiri e o que ele propôs. Essa proposta aí, ela é uma proposta chocante. Nós vamos fazer uma campanha para mostrar qual é a luta de fundo: os que querem dar comida para os que estão morrendo de fome e os que querem negar a comida para os que estão morrendo de fome.”