Rufiões da Pátria. “Rebelião” no STF e a gangue do “só”

por Armando Coelho Neto

Ano de 1988. A Constituição mudou a definição dos poderes, restaurou a Federação, criou direitos. Movida pelo espírito do tempo, sacramentou a democracia, repudiou a ditadura. “Certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria”, pontificou Ulysses Guimarães.

Nessa época (1988), um tal de Rebelo era então vereador constituinte por São Paulo, e não ouviu a fala do bom velhinho. Se ouviu e leu, não levou consideração, e até esqueceu que, em 1982, saiu candidato a deputado federal pelo PMDB/SP. Sua agremiação, o Partido Comunista, estava proscrito pela ditadura militar. Mutante, ele virou sopa de letrinhas via PSB, SD, PDT e hoje flerta com o fascismo.

“Conhecemos o caminho maldito”, disse Ulysses sobre o significado da democracia, colocando um ponto final às trevas da ditadura. O bom velhinho tinha em conta, além dos mais de 30 milhões de analfabetos, o triste inventário da ditadura: mortos, desaparecidos, torturados, exilados, órfãos disso tudo, escândalos financeiros, crimes, corrupção, censura, soberania nacional sob ameaça do Tio Sam…

Rebelo não acredita na tentativa de golpe e trata a ameaça à democracia com deboche. Não houve golpe por que o Uber não veio, por que não teve tanque, não existe crime de pensamento. Seria ele suposto adepto do nacionalismo sabujo – daqueles que beija bandeira dos EUA, vende o país na bacia das almas… que pede intervenção internacional do STF… Rebelo, hoje, faria parte da “Gangue do Só”?

Ives Gandra só fez a minuta, o ex-capitão só leu e só alterou; os militares só debateram e acoitaram com o acampamento. Um kid preto só disse que ladrão não sobe a rampa; a Polícia Rodoviária só cumpriu seu dever ao obstruir estradas; a delegada birosqueba só mapeou onde Lula ganhou; a PM só escoltou vândalos; Fátima de Tubarão só defecou no STF. Débora? Só pichou com batom uma estátua.

Na base do só, egressos dos manicômios pentecostais só queriam matar o “Cabeça de Ovo” e o “Molusco”. O ex-capitão e seus asseclas? Só fugiram para o exterior… E as outras autoridades? Só desligaram telefones, assessores só deixaram as portas abertas, outros só destruíram bens tombados… só sentou na cadeira do ministro, a bomba no aeroporto só não explodiu, mas foi acionada…

Sim, torres de transmissão foram derrubadas, mas só algumas. Tinha agentes da PF infiltrados, mas só alguns. A PF só foi atacada… Algo como matadores da literatura de cordéis, que só fazem o buraquinho, quem mata é Deus!

Eis que Aldo Rebelo foi depor, sensibilizado e solidário com a “Gangue do Só”. Coitadinhos milicos ou não, que “só querem liberdade de expressão”! Leia-se, liberdade para pedir golpe, intervenção militar, fazer apologia à tortura, por veneno nas caixas d’água dos presídios, dar golpes contra velhinhos nas redes sociais, fazer publicidade de jogos de azar, mentir, hostilizar gays, negros, ameaçar…

Caro Rebelo. Esse não é um texto técnico. Juridiquês de lado, siga-se direto à essência dos fatos. Testemunha, ao depor, fica restrita aos fatos sobre o que viu, ouviu, sabe. Opiniões, impressões, juízo de valor são aceitos quando inseparáveis da narrativa do fato. São vedadas as “rebelices”, metáforas, lacrações para redes sociais… Nada de… O general disse isso, mas estava pensando “naquilo”.

Numa curiosa fala que circula nas redes, Rebelo afirma existir 11 constituições, numa explícita ironia aos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal. Se tivesse incluído a visão do advogado Ives Gandra Martins, suposto autor da minuta da tentativa do golpe estado, criador do quarto poder da República (Moderador), seriam 12. Incluídas as “quatro linhas” do ex-capitão inelegível o total seria 13.

Democracia em risco, as versões dos envolvidos – civis ou militares, os nivela aos rampeiros meliantes perante os tribunais. Falta-lhes até a dignidade dos arrependidos. A fragmentação e minimização dos fatos, por envolvidos ou não, revela o desapreço pela democracia, pelo processo civilizatório.

Ao Supremo Tribunal Federal e aos devotos da democracia, a lição deixada por Ulysses Guimarães foi clara. Está em curso um crime de traição, e o Brasil não pode sucumbir à lascívia dos rufiões da Pátria, que reduzem tudo à lacrações do gênero, “Popcorn and ice cream sinners”. Sem anistia.

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo

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Last Update: 28/05/2025