Quando foi lançado no Brasil, o projeto do combustível à base de etanol tinha como slogan “carro a álcool, um dia você vai ter um”. Agora parece que vamos trocar o etanol pela eletricidade. De janeiro a outubro de 2025, o mercado global de veículos elétricos deixou claro que continua em expansão, ainda que em ritmo menos eufórico. Um levantamento da SNE Research mostra que foram registrados 17,102 milhões de carros elétricos e híbridos plug-in no mundo, um crescimento de 25,5% em relação às 13,625 milhões de unidades do mesmo período de 2024. Não é mais a explosão dos últimos anos, mas um avanço robusto para um setor que já responde por uma fatia relevante das vendas globais de automóveis.
Neste tabuleiro, a BYD segue como principal protagonista. A montadora chinesa manteve a liderança global ao vender 3,322 milhões de veículos no período, com alta anual de 4,8%. O crescimento mais moderado é compensado por uma estratégia agressiva de internacionalização: fábricas na Hungria e na Turquia, expansão produtiva na Tailândia, na Indonésia e no Camboja e, na América do Sul, o projeto de Camaçari (BA), que transforma o Brasil em base industrial e não apenas mercado importador. Ao mesmo tempo, a empresa diversifica o portfólio, saindo de veículos comerciais e ônibus para modelos compactos e de entrada, mirando escala global.
Logo atrás aparece o Grupo Geely, que vendeu cerca de 1,78 milhão de veículos elétricos e registrou crescimento de 64,7% em relação a 2024. O avanço é sustentado por um portfólio em camadas segmentando modelos, marcas e preços, sempre buscando adequação aos mercados locais. A aposta na verticalização que a empresa vem fazendo reduz custos, aumenta controle sobre a cadeia e posiciona o grupo como um dos candidatos a “plataforma global” da nova indústria automotiva.
A situação da Tesla é mais delicada. A empresa, que já foi sinônimo de carro elétrico, vendeu 1,308 milhão de veículos no acumulado de janeiro a outubro, uma queda de 7,7% na comparação anual. A desaceleração de Model 3 e Model Y (de 1,35 milhão para 1,27 milhão de unidades) somou-se ao fim de incentivos em mercados-chave: as vendas recuaram 20,5% na Europa, 8,4% na China e 8,4% na América do Norte. A estratégia de reforçar receitas com software, direção autônoma e assinaturas ajuda a preservar margens, mas ainda não foi suficiente para recolocar o volume em trajetória de alta.
Os dados regionais da SNE mostram para onde o centro de gravidade está se movendo. A China respondeu por 10,894 milhões de veículos elétricos vendidos entre janeiro e outubro — 63,7% do mercado global e alta de 24,2% em um ano. Em outubro, os “novos veículos de energia” (NEVs) ultrapassaram pela primeira vez os modelos a combustão nas vendas internas, marco simbólico de um mercado que entra em fase de maturidade acelerada. A Europa somou 3,357 milhões de unidades, crescimento de 32,9% e 19,6% de participação mundial, puxada por SUVs e crossovers elétricos de médio porte. A América do Norte vendeu 1,55 milhão de veículos, com alta mais modesta, de 4,7%, impactada pelo vai-e-vem de subsídios e créditos fiscais.
Apesar das diferenças regionais, as projeções apontam para uma expansão estrutural até o fim da década. A Agência Internacional de Energia estima que os elétricos devem responder por mais de 25% das vendas globais em 2025 e se aproximar de 40% até 2030 sob as políticas atuais. A consultoria Bloomberg NEF projeta algo em torno de 22 milhões de carros elétricos e híbridos plug-in vendidos em 2025 — cerca de 25% a mais que em 2024 — e quase 40 milhões em 2030, consolidando o elétrico como peça central da estratégia climática de grandes economias.
Enquanto China e Estados Unidos disputam liderança tecnológica e industrial, o Brasil tenta não perder o bonde. Segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), as vendas de veículos leves eletrificados chegaram a cerca de 94 mil unidades em 2023, alta de 91% sobre 2022 e marco da “virada” em direção aos modelos plug-in. Em 2024, o número saltou para aproximadamente 177,3 mil unidades, quase 90% acima do ano anterior, superando as previsões iniciais.
Em 2025, a trajetória segue firme. De janeiro a agosto, o País já havia emplacado 126.087 veículos leves eletrificados; só em agosto foram 20.222 unidades, o equivalente a 9,4% de todas as vendas de carros leves no mês. As projeções da ABVE indicam que o mercado brasileiro deve ultrapassar a marca de 200 mil eletrificados em 2025 e se consolidar na faixa de 8% a 10% de participação. Mantidos crescimentos de dois dígitos, especialistas avaliam que o segmento pode dobrar de tamanho em poucos anos e começar a se aproximar, ainda que com atraso, das taxas de adoção observadas nos mercados mais avançados.
Por enquanto, o Brasil continua distante dos gigantes asiáticos em volume absoluto, mas essa distância abre espaço exatamente para as montadoras que lideram o ranking da SNE. BYD, GWM (Great Wall), Chery e outras marcas chinesas já transformaram o País em vitrine para SUVs e sedãs híbridos plug-in, combinando preços mais competitivos com tecnologias testadas em mercados de alta exigência. A pressão sobre as montadoras tradicionais — brasileiras, europeias, japonesas e norte-americanas — tende a aumentar, forçando planos mais agressivos de eletrificação local.
Os próximos anos devem ser marcados por uma disputa em duas frentes: de um lado, a corrida global por escala, baterias baratas e software; de outro, a capacidade de mercados emergentes, como o Brasil, de transformar o salto de vendas em política industrial, empregos qualificados e inovação própria. Se os números do SNE mostram quem está na frente hoje, as projeções de crescimento deixam claro que o jogo ainda está aberto — e que a tomada da garagem brasileira é uma peça cada vez mais importante no tabuleiro mundial da mobilidade elétrica.