Várias cidades do Rio Grande do Sul acordaram, algumas não dormiram, no dia de hoje (18 de junho) traumatizadas com a possibilidade de reviverem o pesadelo da enchente de maio de 2024. E pior, passado mais de um ano o despreparo das cidades, o descaso dos governantes e o sofrimento da classe trabalhadora, do povo pobre se repetem.
Chove no Estado há 5 dias e 58 municípios (vale do Taquari, Região Metropolitana, Fronteira Oeste, Região Central) encontram-se com muitos problemas. Municípios de Jaguari e Mata são os mais atingidos. Os números oficiais é que no momento são 2 mil pessoas desabrigadas.
Embora as previsões afirmem que os volumes de chuvas sejam menos de 50% dos volumes acumulados em 2024, já assistimos vários cenários do ano passado. São ruas alagadas, pessoas em abrigos, água invadindo casas e destelhamentos, quedas de barreiras, estradas bloqueadas, queda de ponte, barcos percorrendo as ruas e já existe 2 óbitos relacionados aos eventos.
Na região metropolitana, moradores dos bairros como o Mathias Velho/Canoas, Vila Farrapos, Humaitá, Sarandi e Ilhas/ Porto Alegre, que foram os mais atingidos pela enchente do ano passado, voltam a ter que abandonar as suas casas, levando pouco mais que a roupa do corpo.
E, segundo o próprio Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH-UFRGS), o volume do Guaíba deverá continuar se elevando até chegar em um nível máximo por volta do sábado e do domingo. Isto indica que a situação atual pode se agravar nos próximos dias.
Até o momento a prefeitura de Porto Alegre afirma que não há necessidade de evacuação das áreas alagas. Afirma que instalará 3 abrigos emergenciais. Ou seja, tudo realizado com o improviso, sem divulgação ou conhecimento anterior de plano de contingência para as regiões mais vulneráveis. Além de abrigos, há embarcações, helicópteros necessários para resgates, se necessário for? Ou seja – os governos não podem apenas acolher os já desabrigados. É necessário não apenas monitoramento, mas viabilização de infraestrutura preparando-se para o pior cenário.
Ver essa foto no Instagram
Alagamentos são inevitáveis? Ou são obra do descaso dos governos?
No recente “aniversário” de 1 ano da enchente, todos os governos divulgaram seus feitos – listando obras, como se tivessem cumprido seu papel. E depois seguiram as agendas de sempre. O presidente Lula (PT) e o Congresso Nacional dominado pela direita, extrema-direita e o Centrão disputam pontos, mas todos defendem “ajustes fiscais” que cortam verbas sociais e reduzem investimentos inclusive em sistemas de proteção. O plano Safra do governo Lula fica ainda mais robusto, ano a ano, financiando grandes tubarões da agricultura capitalista, promotores de queimadas, desmatamento e conflitos agrários em 2024. O Congresso Nacional, com seu PL da devastação, a maior boiada de ataque ao meio ambiente.
E o jogo de empurra e escaramuças entre os governos continuam. Quem não viu recentemente a briga do ex-ministro da Reconstrução, Paulo Pimenta (PT), com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSD)? Leite afirma que serão necessários mais 5 anos para que o Estado esteja pronto para suportar novos eventos climáticos extremos. Que 6,5 bi (disponíveis no fundo de reconstrução) não são suficientes para todos os projetos. Enquanto isto, o governo federal reclama do atraso no cronograma das obras do estado.
Os prefeitos, por sua vez, pedem mais dinheiro. Uma pergunta, entre outras, que fica é de que serviu a ida a Holanda do Sebastião Melo – prefeito de Porto Alegre – e Leite? O dinheiro investido em estudos técnicos com equipes estrangeiras?
Melo, está focado em agilizar a concessão/privatização do Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE), contrariando o sistema de prevenção em Holanda – utilizado como modelo – que é totalmente público e estatal. Não só a prefeitura quanto a Câmara de Vereadores implementam cada vez mais propostas que flexibilizam normas urbanísticas, como as apresentadas no “Porto Alegre Forte”, com efeitos diretos sobre o mercado imobiliário e a construção civil em Porto Alegre. Isto que justifica que, no processo de “reconstrução” é justamente as grandes construtoras privadas que estão sendo efetivamente beneficiadas.
É verdade que algumas obras foram realizadas. Mas não adianta um reparo aqui e outro ali. Em Porto Alegre, por exemplo, comportas que foram derrubadas na enchente ainda não foram reparadas ou concretadas. O Muro da Mauá continua com várias “patologias”, como afirmam os técnicos. A elevação dos painéis elétricos e a substituição de motores das casas de bomba ainda não começaram. A infraestrutura das cidades continua bastante precária. Não houve qualquer intervenção sobre o sistema de drenagem das cidades, gerando grandes alagamentos mesmo com chuvas menores.
Um exemplo claro de descaso e negligência é a declaração do prefeito de Canoas, Airton de Souza (PL), uma das cidades mais afetadas na região metropolitana. Colocou a culpa no fato de que 50% da rede de drenagem está suja, ainda, da enchente passada. Também pudera, o contrato de hidrojateamento para a cidade foi assinado apenas na segunda-feira passada.
A moradia digna e segura não saiu do papel – a grande maioria que morava nas habitações em áreas alagáveis, ribeirinhas dos rios e arroios, tiveram que voltar para as suas casas em regiões alagadiças, convivendo com o medo de novas enchentes.
No Rio Grande do Sul menos de 10% dos que tiveram sua residência destruída na enchente do ano passado conseguiu uma nova moradia. Muitas famílias permaneceram um ano morando em abrigos. As moradias com avarias não tiveram direito a auxilio para o conserto. Não há indenização para quem terá que sair de sua casa para a reconstrução dos diques.

Jaguari, cidade da região central do Rio Grande do Sul, completamente alagada | Foto: Prefeitura de Jaguari
Era possível ser diferente?
Somos categóricos em afirmar que, mesmo em um ano, muito poderia já ter sido feito. Porém, nenhuma mudança efetiva pode acontecer se não enfrentarmos interesses daqueles que se locupletam do orçamento da União, estado e municípios. E não estamos falando apenas do escândalo das emendas impositivas e da eterna chantagem do Centrão. Mas de todos os sistemas de dívida pública das 3 esferas que drenam os recursos públicos para o mercado financeiro.
Em segundo lugar é necessário enfrentar os interesses das grandes empresas que extraem todas as riquezas naturais e poluem e degradam o meio ambiente. Foram séculos de alterações da paisagem e do ambiente natural das cidades de acordo com os interesses dos grandes ruralistas e empresários. E agora, eles só acumulam riqueza. Por exemplo, apenas o faturamento das 20 maiores empresas de Porto Alegre equivale a R$ 198,6 bilhões, quase duas vezes e meia o Produto Interno Bruto (PIB) municipal. Expropriar riquezas que são nossas e que hoje estão nas fortunas de famílias facilmente identificados pelos sobrenomes Gerdau, Ling, Goldsztein, Vontobel, Grendene, Sirotsky, Renner, Zaffari, Melnick , entre tantos.
Em terceiro lugar, toda a reconstrução tem sido encaminhada não como algo extraordinário e sim com os mesmos vícios da morosidade. Dizem que o problema é a burocracia dos processos licitatórios. Por que então não se cria uma empresa pública de obras, a partir da estatização das grandes construtoras? Uma empresa que fosse controlada pela população organizada nos bairros?
Vivemos uma época de catástrofe climática e o Rio Grande do Sul, pela sua localização geográfica, é um dos epicentros dos eventos climáticos. E a reversão deste processo não virá das mãos daqueles que destroem nosso planeta e que estarão reunidos na COP 30.
Não há como frear a destruição ambiental e nos protegermos sem muita luta e organização, sem enfrentamento com os governos, grande empresariado e ruralistas, sem enfrentamento com este sistema de exploração que é o capitalismo.