Rota da Seda do Ártico (NSR): o futuro da navegação global
Rota da Seda do Ártico (NSR): o futuro da navegação global
por Marcus Atalla
“Precisamos de quebra-gelos!” Essa foi a assertiva dita por Alexey Chekunkov, ministro do desenvolvimento russo, durante a sessão sobre a “Rota do Mar do Norte” (NSR), uma das conferências realizadas no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo (SPIEF 2024) no mês passado, que contou com a participação de 139 países.
Durante a sessão foi anunciado a criação de um grupo de trabalho sino-russo especificamente para o desenvolvimento da NSR. Como o esperado, logo em seguida surgiram críticas de diversos países contrários ao projeto. Alguns afirmaram que a rota ártica só beneficiaria a Rússia, ou os custos serão altos para pouco benefício, outros que as demais rotas terrestres das novas rotas da seda serão mais rápidas e já estão prontas ou em vias de término.
Além da China, a Rússia está buscando a cooperação da Índia e dos membros da União Econômica Eurasiática. No momento a NSR se estende do Mar de Kara, na costa noroeste da Sibéria, até o Estreito de Bering, uma extensão total de 5.600 quilômetros. Embora alguns navios russos já utilizem a hidrovia, a navegação está limitada a cerca de 20 a 30 dias por ano. O novo projeto pretende transformá-la navegável o ano todo, além disso, à medida que o gelo ártico está derretendo, a navegação será ainda mais facilitada.
Segundo informes da Rosatom, 80 navios passaram pela hidrovia do Ártico no ano passado, com uma tonelagem total de pouco mais de 36 milhões de toneladas, em comparação, mais de 26.000 navios passaram pelo Canal de Suez. A Rússia espera que, até 2035, o volume de transporte de carga nesta rota possa atingir 270 milhões de toneladas, um aumento de quase 10 vezes em comparação com 2022.
Muitos dos críticos disseram que as vias navegáveis do Ártico enfrentarão problemas como a falta de infraestruturas, conflitos geopolíticos e a jurisdição de longo alcance dos Estados Unidos e do Ocidente. Principalmente porque a China e países do sul asiáticos teriam que utilizar a passagem pelo Estreito de Bering sob controle dos EUA.
Entretanto, os russos pretendem que a rota do ártico ligue-se ao sul asiático através dos rios siberianos e assim, possibilitará contornar o Estreito de Bering e irá ligar em definitivo a Ásia ao Ocidente por mar, resolvendo os três maiores gargalos das rotas marítimas, os quais também são os locais que possibilitam aos EUA militarmente estrangular o comércio entre ocidente e oriente, o Estreito de Malaca, o Canal de Suez e o Canal do Panamá.
Estreito de Malaca
O Estreito de Malaca é o principal gargalo da Ásia e uma das rotas marítimas mais congestionadas do mundo, com 900 quilômetros de comprimento, fica entre a Malásia e a Indonésia. Pelo canal que liga a Ásia ao Oriente Médio e à Europa, passam cerca de 40% do comércio mundial e é a segunda passagem de combustíveis mais relevante do mundo. Cerca de 80% das importações de petróleo cru da China passam por ele e mais de 100 mil navios o atravessam por ano.
O Canal do Panamá
Além de estar sob controle dos EUA, é sabido que o Canal do Panamá, desde sua construção em 1914, tem uma vida útil limitada. A cada navio que passa pelo sistema de eclusas elevadores, as quais nivelam o nível entre o Atlântico e Pacífico, são utilizados 50 milhões de galões de água doce, que depois são despejados no mar, vindos do lago artificial Gatún construído. Entretanto, mais água é retirada do Lago Gatún do que a quantidade reposta pelas chuvas, consequentemente, o lago Gatún está secando desde 1914. Em 2016 foram realizadas reformas construindo novas reclusas que poupam cerca de 60% da água, na expectativa de aumentar a sobrevida do canal em no máximo mais 100 anos.
A China está financiando a construção de um canal ligando o Atlântico ao Pacífico na Nicarágua, a construção tem passado por dificuldades desde que os EUA derrubaram Daniel Ortega, mas recentemente foi reeleito. Outra rota entre ligando o Pacífico ao Atlântico Sul e através do porto em vias de conclusão no Peru, o Porto de Chancay, no entanto, é necessário o Brasil cumprir sua promessa de construir uma estrada ligando o litoral brasileiro ao Peru.
Quanto ao Canal de Suez, bastaram os Houtis bloquearem o Estreito de Bab-el-Mandeb. [Hutis e o estrangulamento do transporte comercial global]. Estima-se que 80% dos bens comercializados no mundo todo são transportados através de rotas marítimas e segundo os estudos russos, quando a rota do ártico estiver concluída o tempo de navegação entre a Europa e a Ásia será reduzido pela metade. Hoje um navio que sai de Xangai a São Petersburgo leva cerca de 36 dias para passar pelo Mar Vermelho e pelo Canal de Suez, levará menos de 20 dias pelo Ártico.
Artyom Lukin, professor associado da Universidade Federal do Extremo Oriente em Vladivostok, na Rússia, destacou que o investimento na infraestrutura de ligação entre os rios siberianos e o Ártico será significativo, mas uma vez feito as vantagens serão enormes, principalmente limitando o controle dos EUA.
Wang Yue, pesquisador de doutorado na Universidade de Tampere, na Finlândia, especializado em segurança e geopolítica do Ártico disse que: para a Rússia, a região do Ártico é um foco estratégico e econômico muito importante, para transportar suas mercadorias, mas acredita que para a China, o Ártico será apenas mais uma das muitas rotas e regiões estratégicas emergentes; no entanto, “uma valiosa alternativa às rotas tradicionais”.
O jornalista Pepe Escobar, especialista nas Novas Rotas da Seda (BRI), que esteve presente no (SPIEF 2024) chamou a iniciativa desta rota marítima de a “Nova Rota da Seda do Ártico”, a classificou como extremamente estratégica, e usou o dito de Chekunkov como título de sua matéria: “‘Precisamos de quebra-gelos’ e de mais parcerias estratégicas”.
Em setembro do ano passado no Fórum Econômico Oriental em Vladivostok, o presidente indiano, Narendra Modi, afirmou que a Índia vai colaborar na construção da Rota do Ártico.
Modi disse na reunião:
“‘Precisamos de quebra-gelos’ e de mais parcerias estratégicas”
O presidente russo, Vladimir Putin, disse na ocasião que a Rússia acolhe com satisfação o interesse de outros países em usar a Rota do Mar do Norte e não vai impor nenhuma restrição a eles.
Marcus Atalla – Graduação em Imagem e Som – UFSCAR, graduação em Direito – USF. Especialização em Jornalismo – FDA, especialização em Jornalismo Investigativo – FMU
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