A primeira rodada de negociações diretas entre Rússia e Ucrânia desde 2022 terminou nesta sexta-feira (16) em Istambul sem qualquer sinal de progresso. A reunião durou menos de duas horas e foi marcada pela ausência dos presidentes Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky.
Sem os chefes de Estado, o encontro foi visto por analistas internacionais como um gesto diplomático simbólico, mas esvaziado de poder real de decisão.
A delegação russa foi liderada por Vladimir Medinski, assessor de Putin que já havia participado das negociações em 2022. A ausência de figuras centrais do governo russo levou a delegação ucraniana a considerar o grupo “decorativo”, segundo palavras do próprio presidente Zelensky.
O Kremlin, por sua vez, afirmou que a equipe em Istambul esteve em contato permanente com Putin, recebendo orientações diretas durante o processo.
Apesar da limitação do encontro, o chanceler da Turquia, Hakan Fidan, que mediou a reunião, defendeu que a retomada do diálogo pode abrir caminho para futuras conversas em nível de chefes de Estado.
Segundo ele, a continuidade da guerra só trará mais destruição e a escolha entre a paz e o aprofundamento do conflito cabe exclusivamente às partes envolvidas.
União Europeia anuncia nova ofensiva de sanções contra Moscou
Antes mesmo do término oficial da reunião em Istambul, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou que a União Europeia está elaborando um novo pacote de sanções contra Moscou.
Entre os alvos estão os gasodutos Nord Stream, que conectam a Rússia à Europa, o setor bancário russo e a chamada “frota sombra” — composta por navios usados para contornar embargos ao petróleo.
Von der Leyen afirmou ainda que o bloco europeu avalia reduzir o teto de preços do petróleo bruto russo, atualmente definido no âmbito do G7. Segundo ela, as medidas são uma forma de “aplicar pressão” para a paz.
No entanto, diplomatas ouvidos pela imprensa europeia admitiram que há resistências internas à proposta, sobretudo por parte da Hungria.
O anúncio das sanções em meio ao processo de negociações revela o desinteresse das potências ocidentais por uma solução efetivamente diplomática.
Em vez de buscar facilitar o diálogo, a União Europeia opta por reforçar a lógica da punição unilateral, reproduzindo o padrão de escalada política que tem marcado sua atuação desde o início do conflito.
EUA atuam nos bastidores enquanto Trump condiciona avanços a encontro com Putin
Enquanto as negociações ocorriam, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, se reuniu com o chefe do gabinete presidencial da Ucrânia, Andriy Yermak, e com o chanceler turco, Hakan Fidan.
Segundo comunicado oficial, os encontros trataram da “importância de buscar uma saída pacífica”, embora nenhuma proposta concreta tenha sido apresentada por Washington.
Donald Trump declarou à imprensa que não haverá progresso no conflito enquanto ele e Vladimir Putin não se reunirem pessoalmente. A afirmação ecoa sua tradicional estratégia de centralizar os processos diplomáticos em acordos diretos, ignorando as instituições multilaterais.
Nesse contexto, Ursula von der Leyen afirmou estar em “contato estreito” com o senador Lindsey Graham, republicano e ferrenho crítico de Vladimir Putin. Graham é aliado de Trump em diversos temas internos, mas historicamente defende uma linha intervencionista e belicista na política externa dos EUA.
Sua proposta de impor tarifas massivas contra a Rússia tem pouca adesão pública na Casa Branca, mas serve como instrumento de pressão indireta.
Ao acenar para Graham, Von der Leyen busca constranger Washington a acompanhar a escalada europeia, aproveitando-se das divisões internas entre trumpistas pragmáticos e republicanos tradicionalmente alinhados ao complexo militar-industrial.
Trata-se de uma tentativa clara da Comissão Europeia de impor sua agenda mesmo diante da hesitação da Casa Branca.
Turquia defende diálogo direto e rechaça imposições externas
Sediando o encontro, a Turquia reafirmou sua disposição em atuar como mediadora e alertou para o risco de prolongamento do conflito caso não haja vontade política das partes envolvidas. “Cada dia de atraso nos aproxima de mais destruição. Esta é uma chance que deve ser considerada com seriedade”, afirmou o chanceler Hakan Fidan.
O presidente Recep Tayyip Erdogan recebeu Zelensky em Ancara antes da reunião e reiterou a necessidade de preservar canais de diálogo. Também participou do encontro o chefe da inteligência turca, İbrahim Kalın, sinalizando o alto grau de atenção atribuído por Ancara à retomada das negociações.
A Turquia tem buscado desempenhar um papel de ponte entre os atores em conflito, mantendo relações tanto com Moscou quanto com Kiev. Fora da União Europeia e com atuação autônoma frente à OTAN, o governo turco aposta no diálogo direto como alternativa à imposição de sanções e ao bloqueio diplomático promovido pelo Ocidente.
Sob hegemonia ocidental, negociações seguem limitadas
A reunião desta sexta-feira revelou os limites estruturais da atual tentativa de retomada do diálogo entre Rússia e Ucrânia. A ausência dos líderes, o desinteresse por parte dos EUA e o anúncio precoce de novas sanções por parte da União Europeia demonstram que os mecanismos de negociação seguem subordinados à lógica de confronto imposta pelas potências ocidentais.
Longe de abrirem espaço para uma resolução duradoura, as ações de Washington e Bruxelas aprofundam a confrontação geopolítica e esvaziam qualquer tentativa de construção de uma saída negociada, soberana e multilateral para o conflito.