Rock in Rio/1985 – Um marco na história dos espetáculos no Brasil
por Henrique Luduvice
“Cenário revisitado demonstra que Erasmo Carlos foi vítima das circunstâncias no primeiro dia do Rock in Rio.”
Good Evening Rio de Janeiro!!!
A saudação acima, emitida pela possante voz do cantor David Coverdale da banda Whitesnake, reverberou por toda a imponente Cidade do Rock. O eco daquele brado contagiou o imenso público presente no primeiro dia da história do Rock in Rio. Representou, inclusive, uma inflexão. Ou, para os que preferirem, “the turning point”.
A data era 11 de janeiro do ano de 1985.
Naquele exato instante, revelavam-se ante a assistência e mídia, o alcance, bem como a complexidade das tecnologias inovadoras incorporadas ao maior evento de música já realizado no Brasil, até aquela data. O sistema de som, instalado nos palcos rotativos, finalmente assegurava a potência exigida para aquele gigantesco espaço aberto.
Em termos de horário, estávamos aproximadamente 15 minutos adiante das 21 horas.
Aprofundando o contexto exposto, registre-se que o citado Rock in Rio iniciara no horário previsto, às 18 horas, e transcorria de forma sincronizada na quase totalidade dos aspectos vinculados à organização.
Acrescente-se, porém, dois fatos relevantes que auxiliam no esclarecimento de situações subsequentes: o referido aceno verbal à Cidade Maravilhosa acionava o início do quarto show da edição inaugural do Rock in Rio. Antes daquela frase arrebatadora, a intensidade sonora difundida pelos modernos equipamentos encontrava-se muito aquém, em termos de volume, do que havia sido anunciado nas publicações especializadas.
Além disso, frise-se, não atendia as expectativas da plateia para um concerto de tal magnitude.
Observando-se a programação divulgada para o referido dia, percebe-se que naquela altura do espetáculo já haviam se apresentado, em sequência, os brasileiros Ney Matogrosso, Baby Consuelo/Pepeu Gomes em dupla. Em seguida, o Tremendão, Erasmo Carlos.
Todos tinham realizado shows rigorosamente cronometrados, com duração de 60 minutos, acompanhados de seus respectivos conjuntos de apoio.
O mesmo tempo que seria destinado ao Whitesnake, que substituíra o Def Leppard, em razão de grave acidente automobilístico ocorrido com seu baterista.
Encerrando aquela inesquecível abertura, estavam previstas, ainda, as exibições dos Grupos Iron Maiden e Queen. Consideradas as principais atrações da jornada, permaneceriam no palco por período de hora e meia.
Retomando à narrativa dos primeiros parágrafos, impõe-se como indispensável destacar que o cumprimento proferido pelo vocalista do Whitesnake, saudando o Rio de Janeiro, entusiasmou os assistentes e acalmou os ânimos dos participantes do evento.
Pois, na ocasião, já se verificavam questionamentos mais acirrados da plateia, principalmente dentre os que se colocavam do meio para trás do vasto gramado que, desde o princípio, gritavam: Aumenta o som!!! Aumenta o som!!! Aumenta o som!!!
Afinal, a publicidade oficial do empreendimento asseverava que de qualquer local da ampla Cidade do Rock, as melodias e os instrumentos seriam ouvidos com nitidez. Nos anúncios constava que haveria uma simbiose com as demais atividades disponibilizadas nas estruturas erguidas para aquele festival de música.
Apesar de 40 anos depois, resulta imperioso enfatizar que estas afirmativas não se materializaram na primeira fase do grandioso espetáculo, comprometendo parcialmente o brilho dos Artistas antecedentes. Todos brasileiros.
Durante três horas situações semelhantes foram se reproduzindo ao longo das diferentes performances nacionais. Como não se viabilizavam as melhoras demandadas, aumentava a frequência. Logo após, a contundência. Exigindo sempre a elevação do som.
Reconheça-se que o problema, conquanto de caráter geral, tornava-se pior em determinadas áreas do complexo, devido ao incremento do fluxo de pessoas.
Nestas regiões, sentia-se dificuldades em distinguir letras e ritmos. Contraditando os informes e propagandas.
Em resumo, as reivindicações se espraiavam, assumindo conotações crescentes de insatisfação.
Resgate-se que dentre os segmentos próximos ao palco, que chegaram cedo visando ocupar posições estratégicas, encontravam-se os mais jovens e/ou os muito apaixonados pelo Rock, dentre eles, os Metaleiros.
Embora os questionamentos acontecessem desde a abertura, foram se avolumando em escala. No primeiro show havia a expectativa de solução rápida, bem como o encantamento da descoberta do lugar. E um número consideravelmente inferior de pessoas presentes.
No segundo, ao perceber um início de manifestações mais volumosas, Pepeu Gomes utilizou-se de suas habilidades como reconhecido guitarrista para extrair solos e suavizar protestos mais esquentados na linha de frente.
Ouso afirmar que parte da impaciência e até algumas hostilidades que parcela do público dirigiu naquele dia ao Erasmo Carlos, com história consolidada como cantor e compositor no cenário musical brasileiro, foi consequência direta das circunstâncias narradas neste Artigo.
O renomado personagem realizava o terceiro show e, até então, nada indicava que o som atenderia às exigências dos consumidores que, simplesmente, exigiam o que consideravam direitos a partir da aquisição dos ingressos. Respaldados pela legislação vigente.
Mas, o que teria causado tal transtorno no decorrer de três horas? Com distintas e consecutivas exibições? Engrenagens desconhecidas? Conexões? Ajustes? Algo não comum para os operadores de palco disponíveis?
Equacionado e resolvido o problema que afligia de modo intenso a todos os envolvidos, a audiência reconheceu e aplaudiu em êxtase. Enfim, firmava-se a magnitude tecnológica de uma iniciativa que viria a se inserir no calendário cultural do Estado do Rio de Janeiro e do País.
Destaque-se que naquela edição, algumas das melhores bandas, nacionais e internacionais, realizaram shows históricos desse gênero musical, que envolve gerações desde o seu surgimento. Emblemáticos cantores e cantoras de outros ritmos, com seus respectivos instrumentistas de apoio, elevaram o prestígio do evento.
Alguns espetáculos foram realizados em duplicidade, com diferentes datas, visando atender imprevistos ou dificuldades de acesso, viagens e deslocamentos dos inúmeros interessados. Diversas “tribos”, oriundas de várias regiões e países, mormente da América do Sul, se deslocaram para a Cidade Maravilhosa visando assistir aos seus shows preferidos.
Existiam, também, os considerados “ecléticos ou mente aberta” que se organizaram para contemplar todas as atrações, independente de estilos ou tendências musicais. Em especial, os que adquiriram com antecedência o “passaporte” que os autorizava a presenciar variadas interpretações, numa sequência ininterrupta de dez dias, que definiu o perfil do Rock in Rio inaugural.
Finalizando, registre-se que aquele mega empreendimento inovou em vários aspectos e contribuiu para inserir o Brasil, definitivamente, nos roteiros das principais turnês de múltiplos ícones da música, símbolos do cenário mundial. Posteriormente, o Rock in Rio internacionalizou-se, tendo sido realizado, inclusive, em países como Portugal, Espanha e Estados Unidos.
Henrique Luduvice – Engº Civil – Ex-Presidente do CREA/DF, MÚTUA e CONFEA/Ex-Presidente dos Conselhos Rodoviário, do Metrô e de Transportes do Distrito Federal
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