Nossa que calor! É o que se escuta do porteiro na saída do prédio, do carteiro do lado de fora, do motorista de Uber que espera na rua. É o que diz o ambulante, nas praças, o trabalhador da construção civil no meio da obra e o amigo quando chega e reclama que quase não conseguiu vir. Nas filas do SUS é deste mal-estar permanente que as pessoas mais falam como se já não aguentassem mais, apesar de saber que muito mais virá por ai. E o humor carioca remata, com sua típica capacidade de rir das agruras do dia a dia, “tudo o que eu quero ouvir são três palavras: frente fria chegando”.
E, como diz o ditado, neste caso correto, a voz do povo é a voz de deus. O calor mais de uma vez esse ano, passou da marca do insuportável, com uma sensação térmica acima dos 60 graus em algumas regiões da cidade.
Nas linhas abaixo vamos apresentar um pequeno panorama da situação que nos encontramos e esboçar algumas propostas para enfrentar o calor extremo e a crise ambiental.
Piora na qualidade de vida, trabalho e saúde da população.
Alem do notório desconforto provocado pelas altas temperaturas, elas causam danos graves à saúde e, como sempre, atingem de forma desigual a população, causado mais danos nos mais expostos a ela, ou seja, nos trabalhadores, na população pobre e nos mais vulneráveis como idosos, gestantes, portadores de doença crônica e crianças.
Há desde problemas de saúde diretamente relacionadas ao calor desde confusão mental, aumento do estresse, irritabilidade e distúrbios do sono devido ao desconforto térmico, passando por desidratação e exaustão causadas pela perda excessiva de líquidos e sais minerais até insolação, hipertermia, convulsões e morte. E não se pode esquecer agravamento de doenças crônicas como problemas cardíacos, respiratórios ou renais que são na verdade as principais causas de morte relacionadas ao calor extremo.
A chamada injustiça climática e o racismo ambiental.
Foram cunhados, nos últimos anos, os conceitos de injustiça climática e racismo ambiental para dizer basicamente duas coisas: são os mais ricos, com seu consumo exacerbado e suas empresas ambientalmente irresponsáveis, que poluem a terra e são os pobres e as comunidades mais carentes as que mais sofrem as consequências,
Por um lado, são as comunidades pobres, indígenas, negras as mais afetadas por desastres climáticos, embora sejam as que menos emitem CO₂. Por outro são os países ricos, que mais emitem gás carbônico. Setenta porcento do CO₂ acumulado desde a Revolução Industrial foi produzido pelos países ricos.
Um estudo da Oxfam analisou os investimentos de 125 dos bilionários mais ricos do mundo e concluiu que esses bilionários são responsáveis por emissões de carbono que são, em média, um milhão de vezes maiores do que as de uma pessoa comum.
A média anual de emissão de carbono por bilionário é de 3 milhões de toneladas de CO2. Para que se tenha uma ideia um cidadão comum norte americano emite 16 toneladas de CO2 por ano, um cidadão da União Europeia entre 7 e 10 toneladas, na Índia 2 toneladas e na África subsaariana 1 tonelada. O estudo também mostrou que apenas um bilionário da amostra tinha investimentos em empresas de energia renovável.
Ao mesmo tempo, os grupos e comunidades mais vulneráveis têm menos capacidade de se adaptar, e de enfrentar as mudanças climática e ao mesmo tempo que são as mais atingidas são as que menos tem poder de decisão sobre clima, enquanto lobbies de petróleo e agronegócio e da mineração dominam esses espaços.
Um plano de emergência para enfrentar as ondas de calor extremo.
É preciso encarar o problema do calor extremo desde duas perspectivas. A primeira é de enfrentar as causas do problema, a saber, a destruição em passo acelerado do meio ambiente que ameaça a vida humana na terra. Falaremos sobre isso mais abaixo.
O outro aspecto é o das medidas imediatas, que precisam ser tomadas para minorar os efeitos na saúde da população em geral, principalmente os mais vulneráveis, pessoas que vivem e trabalham em condições que as expõem ainda mais aos efeitos devastadores da atual (mas que se repetirá) onda de calor.
É preciso que se desenvolva uma campanha de alerta e também de conscientização em relação aos riscos que o calor extremo representa, informar sobre a importância da hidratação, do uso de protetor solar, e de se evitar a exposição ao calor, mas acima de tudo, dar condições para isso com a distribuição de água, e protetores solares e a garantia de locais termicamente confortáveis.
Os centros de resfriamento públicos (bibliotecas, escolas) para refúgio durante picos de calor, são fundamentais e deveriam existir também nas empresas privadas (que deveriam distribuir tanto água fria e potável, quanto protetores de pele para seus funcionários). Do mesmo modo, é fundamental um serviço de água potável público e acessível para toda a população.
Os grupos mais vulneráveis, como idosos, crianças pequenas e doentes crônicos, precisam de atenção especial. Visitas domiciliares feitas pelo sistema de saúde com o fim de monitoras estes grupos deveriam ser incluídos nos serviços prestados pelo sus.
Os trabalhos ao ar livre devem ter uma regulamentação. É preciso fixar a temperatura limite para o trabalho ao ar livre. De uma maneira geral os estudos atuais apontam que 30°C a 32°C seria necessário tomar precauções, especialmente se a umidade for alta; Acima de 32°C é necessário reduzir a carga de trabalho e fazer pausas frequentes em locais frescos. Acima de 35°C Interromper atividades ou minimizar a exposição ao calor.
Isso exigiria que os trabalhadores tivessem áreas refrigeradas garantidas pela própria empresa afim de se protegerem quando as temperaturas passarem dos valores estabelecidos. E que no caso de camelôs e trabalhadores informais tais espaços fossem garantidos pelo estado
As escolas, hospitais, os grandes estabelecimentos públicos, os bancos, bem como os transportes precisam ser climatizados.
Também é necessária uma política urbana de curto, médio e longo prazo, investir em áreas verdes, em construções ecologicamente sustentáveis, que dissipem calor e poupem o uso de energia.
Por fim, um plano de ajuda econômica para desempregados, ou pessoas de baixa renda, que os permitam, por um lado não trabalhar nos dias de calor extremo, mas também que crie linha de ajuda econômica que permitam a construção ou melhoria de moradias afim de adaptá-las às novas condições climáticas.
Construir um programa para a crise ambiental
Responder apenas ao problema do calor extremo não resolve a questão, pois ele é apenas a consequência de uma série de atitude e decisões que nos trouxeram até aqui
É preciso começar imediatamente a transição energética, aumentar o uso de energias renováveis e não poluentes (ou menos poluentes que o petróleo e o carvão), tais como solar, eólica, hidrelétrica, biomassa e geotérmica, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis. E também aumentar a eficiência energética implementando padrões e regulamentos que incentivem o uso racional e eficiente em edifícios, indústrias e transporte, para reduzir o consumo de energia.
Buscar descarbonizar a Indústria, incentivando processos industriais limpos com a adoção de técnicas industriais que reduzam as emissões de gases de efeito estufa e garantir que isso seja feito dentro de uma transição justa de maneira que os trabalhadores de setores poluentes tenham acesso a novas oportunidades de emprego e formação.
Necessitamos de uma política de transporte sustentável, a partir de incentivar o transporte público, melhorando e expandindo os sistemas de transporte público para reduzir o uso de veículos particulares. O estímulo a veículos elétricos e a mobilidade ativa com o incentivo ao uso de bicicletas e caminhadas o que exige ciclovias e calçadas seguras.
As áreas verdes devastadas precisam ser reflorestadas e os ecossistemas precisam de proteção, ao mesmo tempo que é necessário estimular e desenvolver uma agricultura sustentável, que use menos fertilizantes químicos e reduza os desmatamentos
Por fim é fundamental que se sobretaxe as empresas que mais poluem, as grandes emissoras de carbono devem pagar a transição energética e as políticas de diminuição do impacto ambiental que seu funcionamento causa.
Ao mesmo tempo todas as indústrias poluentes que não se adequarem a um plano de contenção da destruição ambiental devem ser estatizadas sob controle dos trabalhadores e da população, para que se possa, a partir daí iniciar um plano de transição energético ambiental nela.
Sem a participação e o controle dos trabalhadores, dos povos originários, das comunidades ribeirinhas, quilombolas e da população pobre, que são de conjunto, os mais atingidos pelas mudanças climáticas, não será possível reverter a atual crise ambiental e corremos o risco de o capitalismo tornar a terra inabitável para a humanidade.