Revolução? Só se for com um bom vinho, por Fernando Castilho
Os parlamentares da extrema direita seguem firmes em sua missão: garantir privilégios ao andar de cima enquanto assustam os mais pobres com o fantasma do comunismo — como se esse inimigo imaginário fosse mais prejudicial a eles do que os próprios políticos que defendem seus interesses. Não há sequer um projeto voltado para a população vulnerável.
Votar pela isenção do Imposto de Renda para quem ganha até 5 mil reais por mês e aumentar a tributação sobre quem recebe 50 mil reais? Nem pensar. Isso seria um atentado contra os que já acumulam riqueza suficiente para viver confortavelmente longe das dificuldades do trabalhador comum.
Mas sejamos realistas: o comunismo está tão distante do Brasil quanto a igualdade social. Nem mesmo o socialismo, que deveria ser um estágio anterior, aparece no horizonte.
Houve um tempo em que o socialismo representava uma possibilidade concreta de reduzir as desigualdades eternas do país. Mas as grandes lideranças que poderiam ter conduzido um governo socialista ou morreram ou se cansaram.
Os anos passaram, e aqueles que um dia militaram em prol da causa, sacrificando seu próprio conforto pela luta, agora desfrutam do melhor que o capitalismo oferece à classe média.
O tempo transformou suas vidas: hoje possuem casas espaçosas, carros importados, frequentam restaurantes sofisticados, viajam para a Europa e tomam vinhos caríssimos. Mais que isso, tornaram-se especialistas em identificar as melhores safras apenas pelo aroma. As camisetas gastas e calças jeans surradas? Foram substituídas por roupas de grife.
Basta assistir a alguns canais progressistas no YouTube para perceber a mudança. Se a temperatura cai para modestos 20ºC, logo aparecem de cachecol francês ou jaqueta Lacoste de 2 mil reais em entrevistas.
O discurso não é mais de esquerda revolucionária, mas de progressismo — uma nova identidade política que abandonou a utopia e se posiciona mais próxima do centro.
Enquanto isso, os bolsonaristas continuam explorando o medo do comunismo para manipular a população, mesmo sabendo que sua implantação no país é impossível.
Curiosamente, pelos áudios vazados de integrantes das Forças Armadas que tramavam o golpe, fica claro que coronéis e generais ainda estão presos à mentalidade da Guerra Fria e realmente temem uma revolução comunista.
A esses, podemos dar um alívio: não há sequer mão de obra para uma revolução socialista, quanto mais comunista.
Os antigos revolucionários hoje estão muito ocupados decidindo quais vinhos irão degustar no jantar de fim de semana com os velhos companheiros.
Fernando Castilho é arquiteto, professor e escritor. Autor de Depois que Descemos das Árvores, Um Humano Num Pálido Ponto Azul e Dilma, a Sangria Estancada.
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