Poucos dias após ter sancionado o pacote de ataques ao reajuste do salário mínimo e direitos sociais como o BPC (Benefício de Prestação Continuada) e o abono salarial, o presidente Lula vetou, integralmente, o Projeto de Lei 6064/24 que previa uma indenização e uma pensão especial vitalícia a crianças vítimas de microcefalia, e outras deficiências, causadas pela zika vírus. O veto foi publicado no Diário Oficial da União do último dia 9 de janeiro.
O país passou por uma epidemia de zika vírus (transmitido pelo mesmo mosquito aedes egypt que transmite a dengue) entre os anos de 2025 e 2016. Apesar da doença não causar sintomas graves para a pessoa infectada, no caso das gestantes, um terço dos bebês nascem com uma má formação no cérebro, ou outros transtornos como déficit intelectual e cognitivo. Estima-se que, hoje, 1.589 crianças sobrevivam com a Síndrome Congênita do Zika Vírus.
O projeto, fruto de uma luta de 10 anos de mães e familiares de crianças vítimas do zika vírus, foi articulado e aprovado por unanimidade no Congresso Nacional. Previa, entre outros pontos, uma indenização de R$ 50 mil, além de pensão vitalícia mensal correspondente ao teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), hoje no valor de R$ 7.786,02.
Lula vetou o projeto, apesar de ter sido aprovado mediante uma dura negociação envolvendo a própria base do governo, e instituiu no lugar uma Medida Provisória estabelecendo uma indenização no valor único de R$60 mil. Algo visto como um cala-boca pelas famílias. “Não paga nem uma cirurgia ortopédica das inúmeras deformidades que nossos filhos têm. A deficiência dos nossos filhos foi provocada, e não por genética ou falha médica. Foi um racismo ambiental, pois ficamos vulneráveis ao mosquito que não foi controlado pelo governo. Tudo isso é culpa do Estado brasileiro“, revoltou-se a vice-presidente da ONG UniZika Brasil, Germana Soares.
A desculpa dada pela Presidência para o veto é tão cínica quanto perversa. Além de criticar o projeto por não prever uma reavaliação periódica para comprovar a gravidade do caso, sendo que se trata de uma síndrome grave, incapacitante e sem qualquer perspectiva de cura, o governo alega que o projeto “contraria o interesse público pois cria despesa obrigatória de caráter continuado e benefício tributário e amplia benefício da seguridade social, sem a devida estimativa de impacto orçamentário e financeiro“.
Trocando em miúdos, Lula vetou o PL em nome do arcabouço fiscal, e da austeridade nos gastos públicos para o pagamento de juros da dívida pública aos mega especuladores internacionais, além das isenções bilionárias às grandes empresas.
As famílias se articulam agora para derrubar o veto no Congresso Nacional.
Cinismo da ultradireita
O veto anunciado pelo Governo Federal atiçou o bolsonarismo mais cínico e hipócrita. O próprio Bolsonaro postou em suas redes sociais duas notícias: um benefício concedido a ele em 2019 ao lado da notícia do atual veto de Lula. O que Bolsonaro não disse é que a Medida Provisória de seu governo concedia pensão a crianças com microcefalia provocada pelo Zica nos estreitos limites do BPC (renda média familiar per capita abaixo de 1/4 do salário mínimo). Ou seja, além do valor irrisório para a sobrevivência de uma criança que demanda cuidados médicos complexos e de forma permanente, deixou grande parte das famílias de fora.
Isso mostra, por outro lado, como a política de ajuste fiscal em cima dos mais pobres, para garantir os interesses dos bilionários, além de atingir de forma perversa os mais vulneráveis, joga cada vez mais água no moinho da extrema direita.
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