Especial para o Jornal GGN
Mídia coloca luz em resolução que secretário de Segurança de SP queria esconder
Por Celso de Mello*
Excelente essa matéria da “revista Piauí”, pois deu ampla publicidade a uma resolução que o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, desejava que ficasse desconhecida da opinião pública
Esse ato do secretário paulista de segurança pública inflige sério gravame ao interesse público, por comprometer e transgredir o princípio constitucional da publicidade (CF, art. 37, “caput”), que impõe à administração pública em geral a obrigação da transparência!
Em vários julgados que proferi no Supremo Tribunal Federal, tive o ensejo de advertir que “Os estatutos do poder, em uma República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo, que tem na transparência a condição de legitimidade dos próprios atos, sempre coincide com tempos sombrios e com o declínio das liberdades fundamentais!”
A Constituição da República não privilegia o sigilo! Ao contrário, ela dessacralizou o mistério como ‘praxis’ governamental!
Nos modelos políticos que consagram a democracia — que é, por excelência, o regime do poder visível — não há espaço possível reservado ao mistério, como adverte Norberto Bobbio!
É por tal razão que não se pode sonegar à cidadania a possibilidade de conhecimento e acesso às razões que fundamentam os atos, resoluções e decisões das autoridades e agentes estatais!
A transparência constitui, por isso mesmo, pressuposto legitimador dos atos emanados dos Poderes da República, em qualquer grau hierárquico ou nível federativo!
Sempre enfatizei, em decisões proferidas no Supremo Tribunal Federal, que o estatuto político brasileiro — que rejeita o poder que oculta e que não tolera o poder que se oculta — consagrou a publicidade dos atos estatais como expressivo valor constitucional, incluindo-o, tal a magnitude desse postulado, no rol dos direitos, das garantias e das liberdades fundamentais!
Relembro, neste ponto, por pertinente, a referência feita por Marco Túlio Cícero, em seu “Pro Milone”, a uma expressão que Lucius Cassius, cônsul e pretor urbano na República Romana, costumava utilizar em suas decisões: “Cui Prodest?”
Cícero, em sua defesa de Titus Annius Milo (“Pro Milone”), ao rememorar Lucius Cassius, fez esta afirmação: “Aplique-se [ao caso] a máxima de Cassius! ”.
E é o que aqui se repete, valendo-me da máxima de Lucius Cassius: “CUI PRODEST?” (“A quem interessa?”).
Sim! A quem interessa negar transitividade a atos impregnados de elevado interesse público?
Nada autoriza nem recompõe os gravíssimos efeitos que decorrem do desrespeito a princípios constitucionais!
A ordem democrática impõe, como fator de sua própria legitimação, o regime do poder visível ou, como salienta Norberto Bobbio, a prática democrática se caracteriza pelo exercício do poder público…
Em público!!!
CELSO DE MELLO, Ministro aposentado e ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal
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