A divulgação dos resultados do Enem, nesta semana, voltou a suscitar questionamentos quanto à qualidade do ensino médio da rede pública e sobre os impactos do Novo Ensino Médio, cuja versão atualizada passa a valer neste ano. 

Um dos pontos que chamou atenção foi o fato de que apenas um estudante de escola pública teve nota mil em redação, quesito que, no entanto, acumulou apenas 12 notas máximas. Também houve queda na média de três das cinco áreas aferidas. 

No cômputo geral, Linguagens e Redação tiveram uma média geral mais alta do que a obtida em 2023: no primeiro caso, subiu de 516 para 528, enquanto no segundo, foi de 645 para 660. 

“Isso é positivo porque, quando a gente aumenta o número de participantes, consequentemente, há uma tendência de diminuir a média. Mas nós aumentamos”, disse o ministro da Educação, Camilo Santana, quando do anúncio dos resultados, na terça-feira (14). 

O número de inscritos em 2024 foi de 4,32 milhões e 73,5%, ou 3,18 milhões, realizaram as provas. O percentual de participação representa aumento de 1,6% em relação ao ano anterior, quando houve 3,93 milhões de inscrições. Além disso, o número de alunos do terceiro ano inscritos saiu de 58% para 94%, o que o MEC atribui ao programa Pé-de-Meia. 

Por outro lado, houve queda na média de Ciências Humanas (de 522 em 2023 para 517 agora), Ciências da Natureza (de 497 para 495) e Matemática (de 535 para 529), área que registrou a maior diferença. 

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Sobre estes dados, o presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), Manuel Palacios, disse que os dados serão analisados para possibilitar projeções a respeito do desempenho dos estudantes que concluíram o ensino médio.

“A gente entende, como principal fator para o resultado negativo — e isso pode observado com a queda dos resultados positivos dos estudantes de escola pública desde 2020 —, o Novo Ensino Médio. O modelo reconfigurou a grade curricular da escola pública e colocou esses estudantes em posição de desigualdade em relação aos de escola privada”, diz Hugo Silva, presidente da União Brasileira de Estudantes (Ubes). 

Essa diferença já foi constatada em edições anteriores do exame, mas os dados deste ano ainda não foram divulgados. No entanto, considerando o tipo de reforma que foi feita a partir de 2017, o dirigente estudantil salienta que “o Novo Ensino Médio veio para desestabilizar e destruir a escola pública”. 

Contrário ao Novo Ensino Médio — implantado em 2017 durante o governo de Michel Temer —, Fernando Cassio, professor da Faculdade de Educação da USP e integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, pondera que apesar de sua posição, ainda não é possível atribuir os resultados do Enem a essa reforma curricular. Como pesquisador, lembra que é preciso analisar os dados de maneira mais detalhada. 

“Sou crítico do Novo Ensino Médio há muitos anos, mas como pesquisador, eu teria um certo cuidado em afirmar que há uma relação de causalidade. Até porque a forma como ele foi implementado em São Paulo, no Espírito Santo ou no Amazonas é diferente”, argumenta. 

Mas, reforça: “É claro que do ponto de vista da política educacional, uma coisa que eu posso afirmar com certeza é que a qualidade geral da educação brasileira no ensino médio caiu com o Novo Ensino  Médio. Porque isso as pesquisas já mostraram”. 

Entre os aspectos criticados, estudiosos da área apontam que o  Novo Ensino Médio (NEM) aumentou as desigualdades escolares dentro da rede pública; o número de aulas vagas por falta de professores; a precarização do trabalho docente e o ensino à distância, além de promover o estreitamento curricular e a privatização da oferta educacional direta.

Novo NEM

A partir deste ano, passa a vigorar uma versão atualizada do Novo Ensino Médio, aprovada no ano passado após muitas manifestações favoráveis à suspensão do NEM. Embora ainda mantenha parte das características do anterior, o formato trouxe algumas melhorias. 

Entre as mudanças, a nova lei estabelece que, de um total de, no mínimo, 3 mil horas nos três anos do ensino médio, 2,4 mil devem ser destinadas à Formação Geral Básica (FGB), que inclui português, inglês, artes, educação física, matemática, ciências da natureza (biologia, física, química) e ciências humanas (filosofia, geografia, história, sociologia). No formato anterior, eram 1,8 mil horas. 

Outro ponto é que a nova lei regulamenta os itinerários formativos e prevê a construção de diretrizes para sua oferta. A carga horária mínima será de 600 horas, com exceção da formação técnica e profissional, quando pode chegar a 1,2 mil horas.

Para Fernando Cássio, a nova lei “reflete a tensão que existe entre a área educacional ligada ao campo popular, que clamava pela revogação do NEM, e o campo empresarial que queria preservar alguns elementos da reforma do Temer”. 

Mas, argumenta, “a gente enxerga a possibilidade de termos um ensino médio um pilar mais sólido, em termos do acesso ao conhecimento científico, cultural, filosófico”, pontua Cassio.  

No entanto, ele acredita ser preciso ir além para garantir um ensino melhor, inclusive no que diz respeito à forma como o NEM será implementado pelos estados. 

“A reforma do ensino médio existe para baratear o custo da educação dos mais pobres. É por isso que ela cria esse ‘ensino técnico’, entre aspas, de qualidade mais baixa, já que as redes de ensino não colocam todo mundo numa escola técnica de alta qualidade, no modelo do Instituto Federal”, explica. 

Cabe destacar que, para o pesquisador, o centro do problema, no entanto, não está apenas no currículo, mas em questões estruturais que não têm sido enfrentadas, entre as quais a permanência dos alunos; as condições de trabalho, salário e carreira dos professores e avanços na infraestrutura das escolas.

“Se a gente tivesse uma escola pública boa, funcional, a gente nem estaria tendo essa conversa porque nem precisaria fazer reforma do ensino médio”, salienta. 

Hugo Silva, da Ubes, enfatiza que a entidade vai seguir lutando, agora pela  aplicação das novas diretrizes do ensino médio — como o cumprimento das horas para a formação geral básica e a preparação dos estudantes de escola pública para o vestibular — porque “foi o que a gente conseguiu construir e aprovar”. Ao mesmo tempo, seguirá na luta para aperfeiçoá-la 

E, neste sentido, também aponta para o problema da estrutura da escola pública que, conforme classifica, “ainda é muito arcaica e está muito aquém do que a gente precisa ter”. 

Em resumo, diz, “a nossa luta é para que tenhamos escolas públicas de qualidade, com boa estrutura, para garantir que os estudantes consigam disputar as vagas do vestibular. Queremos fazer com que todos os filhos da classe trabalhadora acessem a universidade, mudem e enxerguem a sua vida sendo transformada através da educação”.

Foto: José Cruz/Agência Brasil

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Last Update: 17/01/2025