Resoluções que nos movem e que movem o mundo
por Luiz Henrique Lima Faria
Com mais um ano novo se aproximando, noto que permaneço com o hábito de estabelecer resoluções de virada de ano. Não por acreditar na eficácia infalível de fórmulas de recomeço, mas porque aprendi que os ciclos ajudam a significar o que já vinha mudando em meu íntimo. Às vésperas da minha quinquagésima quinta virada, percebo que essas ideias sobre o que precisa ser revisto, mantido ou abandonado me acompanham há muito tempo.
Pensando sobre essas resoluções que construo e reconstruo a cada novo dezembro, recordei-me de Procura da Poesia, de Drummond, texto de rara genialidade no qual se sugere que a construção de algo autêntico nasce da escuta do que existe no mais profundo de nós, fruto das revelações acumuladas ao longo do tempo, constituindo, assim, o fundamento mais legítimo para qualquer tentativa de descoberta do que realmente é essencial.
Ainda nessa direção, recorro à Psicologia, que, ao lado da Arte, pode me socorrer na melhor compreensão do que se manifesta nas resoluções que formulo ao longo dos anos. Em cada promessa que faço a mim mesmo, percebo a presença simultânea das pulsões de vida e de morte, como sugeriu Freud. A pulsão de vida comparece no impulso de criar, reorganizar e seguir adiante, enquanto a pulsão de morte se revela nos movimentos de repetição, nos hábitos que bloqueiam mudanças e no retorno àquilo que eu já havia decidido deixar para trás.
Sob essas reflexões, as resoluções de virada de ano deixam de ser meras intenções e passam a revelar a disputa íntima entre forças que nos impulsionam a seguir adiante e forças que nos mantêm presos ao mesmo lugar. Reconhecer essa tensão é admitir que mudar vai além de fazer uma lista, pois implica aceitar o conflito que nos paralisa e, apesar dele, escolher o movimento. A partir disso, passo agora a recordar quais foram, ao longo de mais de meio século, as resoluções que realmente deixaram algum legado.
Começo com a decisão de dar mais ouvidos à opinião das pessoas que me querem bem e, como contrapartida necessária, ouvir menos aqueles que me tratam como desafeto. Ao longo dos anos, percebi que parte do meu desgaste nascia da tendência reativa de atribuir peso excessivo às vozes dos detratores, como se a crítica mal-intencionada exigisse mais atenção do que a advertência amiga. Essa inclinação turva o julgamento, distorce a avaliação das escolhas e cria um ruído que nos afasta do que realmente importa.
Ao inverter essa ordem, reconheço que escutar quem genuinamente torce pelo meu crescimento não é buscar conforto, mas acolher perspectivas que partem de um lugar de cuidado e respeito, o que me levou à compreensão de que há vínculos que nos impulsionam e outros que apenas nos derrubam e atrasam.
Uma segunda resolução pode ser descrita como a busca deliberada pela companhia de pessoas cujas virtudes são reconhecidas coletivamente e, como contrapartida, o afastamento daqueles que se autodeclaram melhores do que realmente são. Com o passar dos anos, fui percebendo que o convívio humano revela com nitidez a diferença entre quem realiza e quem apenas performa grandeza.
Há pessoas cuja presença age como lastro ético, indivíduos que não precisam proclamar valores, pois os encarnam no cotidiano. Em contraste, há quem se apresente como detentor de méritos extraordinários sem que seus resultados se sustentem à luz da experiência concreta. Virtudes reconhecidas pelo coletivo costumam emergir de práticas consistentes e escolhas reiteradas que moldam a atmosfera moral ao redor, enquanto a autoproclamação de excelência frequentemente denuncia tentativas de mascarar fragilidades mal resolvidas.
Uma última resolução, para os fins desta crônica, refere-se a compor forças com aqueles que se dedicam ao bem comum e, como contrapartida necessária, evitar a companhia de quem se associa apenas para se beneficiar de privilégios. Com o tempo, aprendi que alianças não são neutras. Revelam valores, orientam escolhas e, por fim, tornam-se o fio condutor de uma biografia que traz, em si, razões para orgulho ou para vergonha.
Decidir caminhar ao lado de quem prioriza o bem de todos passa, então, pelo tipo de conduta que escolho cultivar. Fortalecer vínculos com quem age para além dos próprios interesses é reconhecer o bem comum como uma escolha ética para a vida em sociedade. Da mesma maneira, recusar alianças espúrias é preservar a integridade das decisões que desejo sustentar ao longo do tempo como fundamento do que entendo como uma vida digna.
Encaminho esta crônica para seu encerramento consciente de que, numa leitura diagonal, minha narrativa possa até parecer uma reflexão sobre costumes e escolhas pessoais. Mas, no fundo, ela nasce da convicção de que aquilo que fazemos da nossa vida nunca diz respeito só a nós mesmos. Cada resolução que compartilho aqui, atravessa o privado e toca o social, porque fala dos vínculos que cultivamos, das alianças que escolhemos e do tipo de mundo que ajudamos a construir, principalmente, quando ninguém está nos observando.https://jornalggn.com.br/cronica/com-a-beleza-dos-interpretes-da-cancao-da-vida-por-luiz-faria/
Luiz Henrique Lima Faria – Professor do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) e Editor-Chefe da Revista Interdisciplinar de Pesquisas Aplicadas (RINTERPAP).
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