Frutas e verduras apodrecendo nos pés, colheitas inteiras abandonadas e trabalhadores rurais em fuga. Essa é a realidade nas terras férteis do condado de Ventura, na Califórnia, após uma série de batidas do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE), realizadas neste mês como parte da política migratória do presidente Donald Trump.
A repressão à imigração irregular, marca da gestão Trump, tem causado um efeito colateral imediato e visível: o desaparecimento da mão de obra responsável por boa parte da produção agrícola do país. Na prática, isso significa plantações não colhidas, prejuízos milionários e uma ameaça concreta ao abastecimento de alimentos.
Segundo relatos de fazendeiros e supervisores ouvidos pela agência Reuters, a presença do ICE nos campos causou pânico entre os trabalhadores. Em uma fazenda que normalmente conta com 80 funcionários, restaram apenas 17. Em outra, de 300, sobraram 80.
“Nos campos, eu diria que 70% dos trabalhadores foram embora. Se 70% da sua força de trabalho não aparecer, 70% da sua safra não será colhida e pode estragar em um dia“, afirmou a fazendeira Lisa Tate, representante da sexta geração de uma família de agricultores locais.
O medo no cotidiano
Imigrantes entrevistados pela Reuters relataram o clima de terror instaurado após as ações do ICE. Um trabalhador de 54 anos, com três décadas de atuação no campo, resumiu o dilema: “Se eles aparecem para trabalhar, não sabem se voltarão a ver sua família“.
Outro imigrante afirmou que o medo começa antes mesmo do sol nascer. “Nos preocupamos com o sol, o calor e, agora, com um problema muito maior: muitos não voltam para casa. Eu tento não me meter em problemas. Agora, quem for preso por qualquer motivo será deportado.”
Apesar do pânico, muitos acabam voltando para os campos dias após as operações. A explicação é simples: não há outra fonte de renda. Grupos comunitários relataram que, para evitar novas abordagens, trabalhadores estão pegando carona com pessoas com status legal ou enviando os filhos cidadãos americanos para fazer as compras da casa.
Abastecimento em risco
A escassez de mão de obra ameaça não apenas os lucros dos produtores, mas o próprio sistema de abastecimento de alimentos dos Estados Unidos. “Isso é ruim para as cadeias de suprimentos, ruim para o setor agrícola“, alertou Douglas Holtz-Eakin, ex-diretor do Escritório de Orçamento do Congresso e membro do Partido Republicano.
Ele estima que 80% dos trabalhadores rurais dos EUA sejam estrangeiros, quase metade em situação irregular. Economistas e políticos concordam: a retirada em massa desses trabalhadores pode gerar impactos severos na economia das regiões agrícolas, além de provocar aumento de preços ao consumidor.
A Califórnia, onde ocorrem as principais batidas, é responsável por mais de um terço da produção de vegetais e por mais de 75% das frutas e nozes dos EUA. Em 2023, as fazendas e ranchos do estado movimentaram quase US$ 60 bilhões.
Contradição no discurso
Em uma postagem nas redes sociais, Trump reconheceu que as batidas estavam “tirando trabalhadores muito bons e de longa data” dos setores agrícola e hoteleiro, e admitiu que isso tornava “quase impossível substituir esses empregos“.
A jornalistas, ele foi além: “Nossos fazendeiros estão sendo muito prejudicados. Eles têm trabalhadores muito bons. Eles não são cidadãos, mas acabaram se tornando ótimos.”
Apesar da promessa de emitir uma ordem executiva para lidar com os efeitos colaterais da repressão, até o momento nenhuma medida concreta foi anunciada.