O problema das desigualdades de condições das mulheres na sociedade atual tem sido exaustivamente explorado pela burguesia imperialista para a defesa de questões que não contribuem em nada para a luta da política das mulheres. Mais do que isso, essas questões pioram o quadro social para a maioria absoluta delas. Na esteira dos últimos coxinhatos, que tiveram como pauta o aumento de penas para crimes de violência contra mulheres, o portal de notícias Poder 360 publicou coluna de opinião intitulada Arrastadas na rua e excluídas no Congresso e assinada por Laiz Soares, primeira suplente de deputada federal pelo PSD de Minas Gerais.
A tese defendida pela colunista é que a “representatividade” feminina no Poder Legislativo é inversamente proporcional à ocorrência de violência física sofrida pelas mulheres. Ou seja, ao eleger quaisquer mulheres para os diversos órgãos parlamentares, essa presença garantiria uma melhora na situação geral das mulheres na sociedade, independentemente de qual política essas eleitas defendam. O cerne da tese está resumido no seguinte trecho:
“A ciência já comprovou: quando mulheres ocupam mais cadeiras no Congresso, caem os índices de violência doméstica e feminicídio. Estudos internacionais registram reduções de 10% a 30% quando a participação feminina aumenta, ao mesmo tempo em que se fortalece a rede de políticas públicas essenciais –educação, creches, saúde e segurança. Onde mulheres decidem, vidas são salvas”.
Cabe ao menos um breve parêntesis para criticar a carteirada acadêmica meio mandrake. Enquanto fala em “a ciência já comprovou” e “estudos internacionais registram”, nem se dá ao trabalho de apresentar as credenciais reais. Como alguns identitários fazem ao citar estudos feitos em Harvard ou Cambridge. Esse recurso procura revestir a argumentação com uma autoridade científica, que na maioria das vezes não vale nada. Especialmente na área da ciências humanas, mas não apenas nela, as teses são direcionadas pela burocracia universitária no sentido de referendar a ideologia da classe dominante.
Mas, para além dessa discussão, existe uma premissa falsa. A de que qualquer mulher está apta a representar as mulheres de conjunto. Como se os problemas de violência contra a mulher servissem para unificar as mulheres de diferentes classes sociais e anulassem magicamente os defeitos das mulheres escolhidas para representar as pessoas do seu mesmo sexo. Essa premissa é muito interessante para candidatas mulheres dentro da direita, como a própria Laiz Soares, que concorreu à prefeitura de Divinópolis em 2024 numa chapa entre PSD e PSDB. Uma fala sua repercutida no site do PSD na ocasião dá o tom da “luta” da então candidata:
“Tô muito animada para a campanha, que vai ser linda, de ideias. Uma campanha diversa com jovens, idosos, com pessoas de diferentes ideologias. Construímos uma frente ampla, então, temos pessoas da direita, da esquerda e do centro. Todos conosco buscando novas soluções e inovações”
A política eleitoral impulsionada com as teses identitárias tem sido amplamente usada tanto pela direita quanto pela esquerda, o que já deveria por si só servir como alerta para a esquerda. A direita não joga no escuro, pois a burguesia é uma classe social experiente e não aposta sem cálculo. A esquerda pequeno-burguesa, por sua vez, topa tudo por um cargo e acaba servindo para dar um verniz esquerdista a políticas criadas e impulsionadas pela classe social a qual dizem se opor. Isso não ocorre apenas em relação às mulheres. No Brasil tem sido cada vez mais comum pessoas negras de direita se elegendo e combatendo pautas do movimento negro, como Fernando Holiday, que acumula dois mandatos como vereador na cidade de São Paulo. Além de negro, Holiday é homossexual. Uma dobradinha identitária que não melhorou em nada a vida de negros ou homossexuais.
A premissa de que qualquer mulher vai representar os interesses das mulheres em geral, além de ignorar as gigantescas diferenças sociais entre as classes sociais, ignora também a existência de mulheres oportunistas, de políticas corruptas. Ou o problema da corrupção está relacionado ao sexo, ao gênero? Esse tipo de questionamento vale para qualquer “identidade” eleitoral, mulheres, negros, homossexuais, transexuais etc. O interesse da colunista é óbvio e não tem nada a ver com tornar a vida das mulheres nas periferias melhor. Para além das cotas de candidaturas, que ela aponta como ineficazes, Soares defende “reservas de assento” no Congresso. Assim, é possível se eleger com menos votos.
A luta real das mulheres é uma luta contra a repressão do Estado burguês e por uma política social que permita libertá-las da opressão econômica. Essa libertação não pode ocorrer exclusivamente para as mulheres trabalhadoras, mas para toda a sua classe social. A própria colunista reconhece a queda de popularidade da política que defende, ao ponto de escrever que “fortalecer a presença feminina não é pauta identitária”. Um sinal da decadência inevitável dessa política de ilusionismo, que ilude cada vez menos pessoas.