O Banco Central é uma instituição autônoma dos interesses políticos do Poder Executivo, mas não é autônomo em relação à Constituição econômica, pois é um órgão de Estado e, como tal, deve obediência aos parâmetros constitucionais. Nesse sentido, é que deve observar também os objetivos fundamentais da República brasileira, incluindo a redução da desigualdade e a erradicação da pobreza. Esses valores devem ser considerados na definição da taxa básica de juros (Selic) pelo Copom (Comitê de Política Monetária).
O entendimento acima é o ponto central da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais) apresentada pelo partido PDT ao Supremo Tribunal Federal. Representante da banca que assina a ação – Walber Agra -, a advogada Nara Cysneiro falou com exclusividade ao GGN sobre a iniciativa que visa promover um debate institucional que reconheça a omissão do Banco Central em definir parâmetros transparentes e mais plurais do que apenas observar as expectativas do mercado financeiro na definição da Selic pelo Copom.
“Nosso propósito não é que o Judiciário se substitua à autoridade monetária. Nosso propósito é que o Judiciário promova o estabelecimento de critérios objetivos para que as decisões do Copom atendam à Constituição econômica. Não queremos que o STF passe a fixar a Selic. O que queremos é que o STF determine ao Banco Central que considere valores como, por exemplo, a manutenção de postos de trabalho como [valores] relevantes para a tomada de decisão”, disse Nara Cysneiro em entrevista ao jornalista Luis Nassif, na noite de quinta (26).
“Não tiramos nada disso da cartola, isso é parâmetro constitucional para qualquer órgão público. O Banco Central é autônomo do Poder Executivo, mas não é autônomo em relação à sociedade brasileira e à Constituição Federal. Ele ainda é órgão de Estado e, portanto, deve obediência às regras constitucionais“
O GGN teve acesso à ação de 60 páginas, que foi apresentada ao STF no dia 23 de dezembro. A peça questiona não a taxa Selic em si, fixada em 12,5%. O que está em jogo são os parâmetros utilizados atualmente para a tomada de decisão, que tem como principal baliza o boletim Focus.
“O Boletim Focus reflete a expectativa de um mercado específico: ele representa a expectativa do mercado financeirizado, especulativo. Mas no plano mercadológico há ainda o mercado produtivo – indústria, comércio e setores produtivos – que sofrem com o aumento da taxa Selic. Quando falamos em parametrização dessa decisão, é claro que admitimos que tem de se levar em conta o mercado financeiro, que financia muitas atividades. Mas também é preciso levar em conta a expectativa de outros mercados econômicos brasileiros. Estamos falando de ‘retirar a exclusividade de expectativa’ e ampliar a margem de discussão sobre o quanto essa taxa deveria favorecer os objetivos que a Constituição”, defendeu Nara Cysneiro.
Na visão da representante da banca Walber Agra, “no processo de fixação da taxa básica de juros, é preciso que se considere – para além das expectativas do mercado financeiro – outras expectativas que estão no parâmetro constitucional. Estamos falando de estabilidade de postos de trabalho, de desenvolvimento industrial nacional; dos impactos que essa taxa impõem ao orçamento fiscal, portanto, à capacidade de pagamento da dívida pública e sua trajetória sustentável. Estamos falando sobre crescimento econômico, erradicação da pobreza, desigualdade social”
Assista a entrevista completa abaixo: