A partir de uma representação do movimento Quilombo Raça e Classe, filiada à CSP-Conlutas, ao Ministério Público Federal (MPF), a Caixa Econômica Federal foi intimada a prestar contas sobre poupanças de pessoas escravizadas no Século XIX. É a primeira vez que um banco brasileiro é chamado pela Justiça a se explicar sobre sua relação com a escravidão.
A determinação do MPF estabelece o prazo de até o dia 15 de setembro para que a Caixa informe quais medidas toma para organizar e catalogar o acervo histórico sobre esse período. Segundo afirmou o procurador da República ao Portal Uol, “a grande questão que se coloca, e que tentamos apontar e discutir, é: onde estão essas poupanças, esses recursos, e a eventual responsabilidade de quem deixou de repassá-los? E o acesso à informação por descendentes e por toda a população em relação a um fato tão relevante”.
A intimação ocorreu após uma reunião realizada, no último dia 15 de agosto, entre representantes do movimento Quilombo Raça e Classe, a historiadora Keila Grinberg da Unirio da Universidade de Pittsburgh (que pesquisa as relações dos bancos brasileiros na manutenção da escravidão no Brasil) e representantes da Caixa.
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Entenda o caso
Um ano após a promulgação da Lei do Ventre Livre, em 1871, a Caixa (fundada dez anos antes) começou a aceitar a abertura de cadernetas de poupança de pessoas escravizadas. Geralmente, essas poupanças eram economias guardadas para que a própria pessoa comprasse sua alforria, ou a de parentes. Há fortes evidência, porém, que, após a abolição da Escravidão, em 1888, parte dessas poupanças ficaram retidas. Esse confisco serviu para aprofundar a desigualdade social após a Abolição formal da escravidão, perpetuando a marginalização da população negra ao longo das gerações seguintes.
A diretoria da Caixa Econômica Federal tenta se justificar afirmando que não existem registros de poupanças ou conta corrente de escravizados retidos pelo banco. No entanto, apesar de afirmar que a instituição conta com 15 mil metros de documentos da época preservados, relata que demorariam duas décadas para a completa organização e catalogação desse material, numa mostra que a direção do banco não está interessada em investigar a relação da instituição com a escravidão.
“A iniciativa do Movimento Quilombo Raça e Classe, em provocar o MPF, de forma a trazer a Caixa Econômica Federal para o centro do debate sobre o crime da escravidão negra, configurado juridicamente como crime de lesa-humanidade, coloca na ordem do dia a luta de mais de um século do movimento negro por reparação histórica“, afirma Elias Alfredo, do movimento Quilombo Raça e Classe e militante do PSTU no Rio de Janeiro.
Reparação já!
A ação provocada pelo movimento contra a Caixa Econômica Federal faz parte de um processo mais amplo, de investigação histórica para trazer à luz a relação promíscua de cumplicidade entre Estado e instituições financeiras na escravização de milhões de pessoas durante três séculos. Grandes bancos, como o Banco do Brasil, que hoje, embora ainda estatal, gera bilhões em dividendos para acionistas privados, e cuja riqueza foi construída através de trabalho escravo no Brasil. Um capítulo dessa história que está sendo revelada por sérias pesquisas acadêmicas, como a de Keila Grinberg.
“O Estado e as instituições econômicas, como o Banco do Brasil e a Caixa, cooperaram com a escravidão por meio do financiamento do tráfico negreiro e da coleta de recursos de escravizados por meio da poupança“, afirma Cláudio Donizete, do Movimento Quilombo Raça e Classe e da Secretaria de Negras e Negros do PSTU.
O caso mostra que a responsabilidade pelas reparações históricas da população negra recai não só sobre o Estado brasileiro, mas também sobre as instituições financeiras que cooperaram e atuaram diretamente com o crime da escravidão no Brasil.
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