Na época em que era levado a sério ganhar um Disco de Ouro ao alcançar a venda de 100 mil cópias, Renato Borghetti conseguiu a façanha em seu álbum de estreia, em 1984, com um detalhe a mais: era totalmente instrumental, um registro sempre visto em segundo plano pelo público.
“Foi tudo feito de forma despretensiosa. Era uma época muito difícil de gravar. Não é igual a hoje, em que se pode gravar em casa, em um estúdio doméstico. Dois, três anos antes não havia estúdio em Porto Alegre. Tinha que ir para São Paulo ou Rio de Janeiro para gravar”, lembra o artista a CartaCapital.
O gaúcho conta que existiam dois estúdios na cidade, sempre ocupados. “Peguei aqueles horários da madrugada para gravar”, recorda. “Fui gravando aos poucos de forma independente, o que não era comum para a época. Capa, arte, mixagem, tudo independente.”
O premiado Gaita Ponto sairia pela RBS Discos, braço fonográfico da Globo local, que o recebeu pronto para imprimir e distribuir. O trabalho foi lançado em vinil e em fita cassete, um produto que ninguém mais conhece em tempos de plataforma digital.
Gaita Ponto, de 12 faixas, só tem uma composição de Borghettinho, em parceria com Paulo Silveira. O trabalho é composto por ritmos regionais que já eram de seu repertório à época, como chamamé, rancheira e milonga.
O nome do disco é uma referência ao instrumento que tocava e ainda toca. “É um acordeão diatônico. Ele não tinha todas as notas. Fiz um instrumental com um instrumento limitado. Era a fórmula certa para dar tudo errado”, brinca. “O repertório do disco é muito bom.”
Ele comemorará com um show no Sesc Pinheiros, na capital paulista, no sábado 27, as quatro décadas de lançamento do emblemático trabalho. A banda da apresentação tem os companheiros de estrada Daniel Sá (violão acústico), Pedro Figueiredo (flautista e saxofonista) e Vitor Peixoto (piano).
Atualmente, Borghettinho, considerado um dos maiores instrumentistas brasileiros, toca gaita-ponto com uma qualidade bem superior. Ele é patrocinado pela Scandalli, a maior fabricante de acordeões da Europa.
“Me considero até hoje mais um instrumentista do que um compositor, em que pese o fato de ter quase 30 discos lançados”, diz.
Renato Borghetti se divide entre Barra do Ribeiro, cidade a cerca de 60 quilômetros de Porto Alegre, e a capital gaúcha, quando não está na estrada com seus shows.
Em Barra do Ribeiro mantém há 14 anos o projeto sociocultural Fábrica de Gaiteiros, na qual produz artesanalmente gaita-ponto para distribuir gratuitamente a crianças de 7 a 15 anos.
O projeto mantém uma parceria com diversas unidades culturais da região, fornecendo professor de acordeão e o instrumento a alunos interessados.
“A gente não vende quando o equipamento fica pronto. Toda a produção vai para o ensino de graça”, ressalta. Nesse período, já foram fabricados cerca de 250 acordeões.
Na tragédia climática que se abateu no Rio Grande do Sul em maio, a fábrica foi tomada pela água, mas nesta segunda-feira 21 voltará a funcionar a plena carga. Renato Borghetti destaca que a comunidade ajudou a retomar as atividades.
“A gente tem todo o cuidado ali na fábrica com a sustentabilidade. A gente não usa madeira nativa, mas certificada. Os botões são à base de plástico reciclado e casca de arroz. A eletricidade é gerada por energia solar.”