O Supremo Tribunal Federal julga nesta terça-feira 25 a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela trama golpista de 2022. A análise ocorrerá na Primeira Turma, formada por cinco ministros: Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Flávio Dino.
Se pelo menos três dos cinco integrantes do colegiado receberem a denúncia, o ex-capitão se tornará réu e passará a responder a uma ação penal. A PGR atribuiu cinco crimes a ele:
- liderança de organização criminosa armada
- tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito
- golpe de Estado
- dano qualificado por violência e grave ameaça contra o patrimônio da união
- deterioração de patrimônio tombado
A investigação da Polícia Federal concluiu que Bolsonaro planejou e exerceu um domínio direto sobre os atos de uma organização criminosa que buscava executar um golpe de Estado no Brasil em 2022.
Em referência a ele, a PF sustenta que o golpe “não se consumou em razão de circunstâncias alheias à sua vontade”.
A avaliação dos investigadores é que o grupo, sob a liderança do ex-presidente, criou, desenvolveu e disseminou desinformação sobre o sistema eleitoral desde 2019, primeiro ano do governo anterior, a fim de incutir na sociedade a falsa impressão de fraude nas urnas.
Os objetivos seriam evitar a percepção de casuísmo na hipótese de derrota de Bolsonaro três anos depois e, mais importante, construir a base para os atos que ocorreram após a vitória de Lula (PT) em outubro de 2022.
O relatório enviado pela PF ao STF menciona uma reunião da cúpula da gestão Bolsonaro em 5 de julho de 2022, 13 dias antes de um encontro do então presidente com embaixadores estrangeiros na qual ele repetiria mentiras sobre o processo eleitoral. Em 2023, o Tribunal Superior Eleitoral tornou Bolsonaro inelegível devido à agenda com os diplomatas.
Os participantes da reunião de 5 de julho, anotam os investigadores, “seguiram exatamente a metodologia desenvolvida pela milícia digital, propagando e disseminando alegações sabidamente não verídicas ou sem qualquer lastro concreto, de indícios da ocorrência de fraudes e manipulações de votos nas eleições brasileiras, decorrentes de vulnerabilidades do sistema eletrônico de votação”.
O objetivo do encontro seria cobrar dos ministros a difusão de desinformação sobre o sistema eleitoral, utilizando a estrutura do Estado. Participaram, entre outros, Anderson Torres (Justiça), Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (Defesa), Augusto Heleno (GSI) e Mário Fernandes (em exercício na Secretaria-Geral).
A PF também afirma que ações de pressão sobre o então comandante do Exército, general Freire Gomes, contaram com a autorização de Bolsonaro. A conclusão decorre da análise de arquivos encontrados no celular do tenente-coronel Mauro Cid.
Na sequência, o grupo iniciou a prática de “atos clandestinos” voltados à abolição do Estado Democrático de Direito e, conforme a PF, Bolsonaro tinha “plena consciência e participação ativa”.
É nesse contexto que aparece o famoso decreto que abriria caminho a uma ruptura institucional, a fim de impedir a posse de Lula, estabelecer Estado de Defesa no TSE e funcionar como uma espécie de base jurídica para o golpe. Para a PF, Bolsonaro “efetivamente planejou, ajustou e elaborou um decreto que previa a ruptura institucional”.
A polícia diz também ter elementos robustos a demonstrarem que Bolsonaro era informado sobre o andamento dos atos por Mauro Cid.
“As evidências colhidas, tais como os registros de entrada e saída de visitantes do Palácio do Alvorada, conteúdo de diálogos entre interlocutores de seu núcleo próximo, análise de ERBs, datas e locais de reuniões, indicam que JAIR BOLSONARO tinha pleno conhecimento do planejamento operacional (Punhal Verde e Amarelo), bem como das ações clandestinas praticadas sob o codinome Copa 2022”.
Este ponto tem íntima relação com a Operação Contragolpe, deflagrada pela PF em novembro de 2024. A corporação prendeu quatro militares do Exército ligados às forças especiais, os chamados “kids pretos”: o general Mário Fernandes, o tenente-coronel Helio Ferreira Lima, o major Rodrigo Bezerra Azevedo e o major Rafael Martins de Oliveira. Outro preso era o policial federal Wladimir Matos Soares.
Os militares presos projetavam a criação de um “gabinete de crise” após executarem o então presidente eleito Lula, seu vice Geraldo Alckmin (PSB) e Alexandre de Moraes. O comando do grupo ficaria a cargo do então ministro do Gabinete de Segurança Institucional, o general da reserva Augusto Heleno, e de Braga Netto.
A polícia teve acesso a mensagens de um grupo de conversas criado pelos golpistas no aplicativo Signal e chamado “Copa 2022”, com o objetivo de monitorar Moraes. Os militares envolvidos receberam codinomes de países, como Alemanha, Austria, Japão e Gana.
O relatório da PF também aponta que Bolsonaro redigiu o texto do documento conhecido como “minuta do golpe”, o decreto que buscaria consumar o golpe. Em 7 de dezembro de 2022, segundo os investigadores, o então presidente realizou ajustes no documento e convocou os comandantes das Forças Armadas para uma reunião no Palácio da Alvorada.
Naquele encontro, Bolsonaro teria o objetivo de “apresentar o documento e pressionar as Forças Armadas a
aderirem ao plano de abolição do Estado Democrático de Direito”.
“Os comandantes do Exército e da Aeronáutica se posicionaram contrários a aderirem a qualquer plano que impedisse a posse do governo legitimamente eleito. Já o comandante da Marinha, Almirante Garnier, colocou-se à disposição para cumprimento das ordens”, concluiu a polícia.
Dois dias depois, em 9 de dezembro, Bolsonaro rompeu o silêncio pós-derrota para Lula e falou a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada. Na ocasião, incentivou as manifestações golpistas promovidas depois da eleição e fez menções aos militares.
“Nada está perdido. O final, somente com a morte. Quem decide meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês”, declarou.
A PF avalia que o discurso “seguiu a narrativa da organização criminosa, no sentido de manter a esperança dos manifestantes de que o então presidente, juntamente com as Forças Armadas iriam tomar uma atitude para reverter o resultado das eleições presidenciais, fato que efetivamente estava em curso naquele momento”.
Leia a conclusão da Polícia Federal sobre o papel de Bolsonaro na conspiração:
“Os dados descritos corroboram todo o arcabouço probatório, demonstrando que o então presidente da República JAIR BOLSONARO efetivamente planejou, dirigiu e executou, de forma coordenada com os demais integrantes do grupo desde [pelo menos] o ano de 2019, atos concretos que objetivavam a abolição do Estado Democrático de Direito, com a sua permanência no cargo de presidente da República Federativa do Brasil, fato que não se consumou por circunstâncias alheias a sua vontade, dentre as quais, destaca-se a resistência dos comandantes da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro BAPTISTA JUNIOR, e do Exército, General FREIRE GOMES e da maioria do Alto Comando que permaneceram fiéis à defesa do Estado Democrático de Direito, não dando o suporte armado para que o então presidente da República consumasse o golpe de Estado”.