Há muito sabemos que o fumo é fator de risco para doenças cardiovasculares. Por exemplo, das mortes por infarto do miocárdio, aquelas que ocorrem dos 34 aos 44 anos de idade, quase 40% são causadas pelo cigarro. Dessa idade em diante, a prevalência só aumenta.

Sabemos, também, que parar de fumar é romper talvez a mais escravizadora das dependências químicas, mas é capaz de reduzir esse risco em qualquer idade, seja qual for o número de anos e a quantidade de cigarros fumados. A extensão dos benefícios potenciais da abstinência, no entanto, não está bem caracterizada.

Em novembro de 2024, um estudo coreano publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA), procurou responder à pergunta: “Quanto tempo é necessário para que o risco de doença cardiovascular do ex-fumante se iguale ao dos que nunca fumaram?”

Um levantamento dos arquivos do Korean National Health Insurence Service Database permitiu selecionar 5,4 milhões de participantes, no período de janeiro de 2006 a dezembro de 2008. A partir da inclusão no estudo, eles passaram a ser avaliados a cada dois anos, até dezembro de 2019.

Os participantes foram divididos em três grupos: fumantes atuais, não fumantes (nunca fumaram) e ex-fumantes. No grupo do ex-fumantes foram analisados o número de anos sem fumar e a quantidade cumulativa de cigarros fumados durante a vida.

Na literatura médica a quantificação dos cigarros fumados costuma ser calculada pelo número de maços-ano, parâmetro em que um maço-ano significa fumar 20 cigarros por dia, durante um ano. Assim, 20 maços-ano é fumar 20 cigarros/dia durante 20 anos ou 40 cigarros/dia durante dez anos ou 10 cigarros/dia por 40 anos.

Foram excluídos aqueles que mudaram de categoria no decorrer do acompanhamento: ex-fumantes que voltaram a fumar ou vice-versa. Restaram 853 mil fumantes atuais, 104 mil ex-fumantes e 4,4 milhões que nunca fumaram.

No período de acompanhamento ocorreram 278 mil óbitos por doenças cardiovasculares que compreenderam infartos do miocárdio, AVCs e insuficiência cardíaca.

Entre os ex-fumantes, a mediana de maços fumados foi de 10,5 maços-ano, quantidade que, entre os que ainda fumavam, chegou a 14 maços-ano. A duração média da abstinência no grupo de ex-fumantes foi de quatro anos.

Comparadas com a incidência de mortes por doença cardiovascular nos que nunca fumaram, a incidência entre os ex-fumantes aumentou cerca de 50% e quase duplicou nos que continuavam fumando.

A análise dos dados mostrou uma relação linear entre a quantidade de maços-ano e a mortalidade por doença cardiovascular: quanto mais cigarros fumados no decorrer da vida mais alto o risco.

No grupo de ex-fumantes com doses cumulativas abaixo de oito maços-ano (equivalentes a menos de 20 cigarros/dia durante oito anos), o risco comparado ao dos fumantes atuais cai rapidamente logo nos primeiros anos. Depois de dez anos de abstinência, o risco de infarto, AVC e insuficiência cardíaca é igual ao dos que nunca fumaram.

Já nos ex-fumantes com cargas de fumo superiores a oito maços-ano o declínio do risco é mais lento do que entre os ex-fumantes que ficaram abaixo dessa faixa. Nesse grupo de fumantes mais “pesados” o risco só vai chegar perto daqueles que nunca fumaram depois de completar 25 anos longe do cigarro.

Nos que ainda fumam, no subgrupo que consome acima de dez maços-ano (um maço/dia mais que dez anos) ocorre um aumento linear rápido do risco de morte nos dez primeiros anos, que se mantém estável até os 20 anos, para aumentar significativamente daí em diante.

Essa publicação traz dados novos. Poucos anos atrás, considerávamos que as taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares caíam rapidamente a partir do primeiro ano de abstinência, para se igualar às dos que nunca fumaram ao redor do quinto ano.

Com números mais sólidos e tratamento estatístico adequado, o trabalho coreano mostra um panorama bem menos otimista: os malefícios do cigarro persistem por muitos anos, fenômeno que se repete em relação ao câncer. Na clínica, encontrei casos de câncer de pulmão e em outras localizações 30 ou 40 anos depois de a pessoa ter parado de fumar.

Cardiologistas devem acompanhar mais de perto os ex-fumantes, especialmente aqueles mais exagerados, que fumaram mais de oito maços-ano, limite que a maioria dos dependentes de nicotina ultrapassa sem se dar conta do perigo. •

Publicado na edição n° 1361 de CartaCapital, em 14 de maio de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Relação direta’

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Last Update: 08/05/2025