Neste sábado (2) a Folha de São Paulo publicou o texto “Território ancestral é direito originário”, assinado por Txai Suruí. O título, marcadamente identitário, aparece em um momento bastante conveniente, uma vez que os interessados, por puro oportunismo, reivindicam o direito de tomar dos outros as terras que eles alegam que lhes pertenceram há milhares de anos.
Suruí diz que se lembra das histórias contadas por sua mãe e por seus parentes, que narravam o que os indígenas viveram e sofreram desde a chegada dos colonizadores. E elenca diversos massacres e ataques que os índios vêm sofrendo aqui no Brasil.
No texto lemos sobre os recentes ataques a diversas aldeias da terra indígena Tekoha Guassu Guavirá. Roças destruídas, pessoas feridas. Os avá-guarani estão sob risco de sofrer uma reintegração em função de decisões do juiz João Paulo Martins, da 2ª Vara Federal de Umuaruma. “O mesmo que, de maneira inconstitucional, impediu a Funai de dar assistência humanitária aos indígenas nas áreas de retomada”.
Além de questionar o Marco Temporal, Txai Suruí diz que “O aumento da violência contra as comunidades confirma que a manutenção da vigência da lei alimenta os conflitos e que não há possibilidade alguma de negociação quando falamos de direitos humanos fundamentais. Território ancestral é direito originário, sempre estivemos aqui!” E pede que as pessoas digam não ao marco temporal.
A primeira coisa que temos de pensar no que está sendo feito pelo ministro dos Direitos Humanos, Silvio de Almeida; e pela ministra, igualmente identitária dos Povo Indígenas, Sônia Guajajara. Eles deveriam estar atuando de maneira incisiva em favor dos índios que estão perseguidos e massacrados pelos latifundiários contando com ajuda até de instituições do Estado.
No entanto, nada parece estar sendo feito, pois é para isso que, neste caso, serve o identitarismo. Para que se defenda os direitos dos indígenas, para que se impeça o massacre, é preciso recorrer à luta contra os agressores e esta deve se dar por todos os meios.
Nenhum latifundiário, nenhum grileiro, vai se comover com supostos ‘direitos ancestrais’, eis a dura realidade. O governo, o PT, os inúmeros grupos de representação dos trabalhadores poderiam intervir no processo. Em vez disso, vemos apenas uma ladainha que apela para sentimentos morais, que não têm efeito nenhum sobre a política. O identitarismo não promove a luta, de fato serve para impedi-la.
Mascaramento
O tal direito ancestral não tem servido para nenhum grupo identitário exigir a devolução das terras para os índios americanos, serve para pressionar os países atrasados, essa é a sua verdadeira função.
Os interessados usam isso a seu favor, alegam que as terras pertencem-lhes por direito, pois viveram ali e foram expulsos há milhares de anos. O mesmo direito não cabe aos outros, que vivem há séculos na região.
O identitarismo é uma ideologia feita sob medida para os interessados, pois, ao mesmo tempo, em que gera a divisão e paralisa a esquerda, serve como refúgio moral para as terríveis atrocidades que estão cometendo há quase um século contra os outros, e especialmente atualmente, na Faixa de Gaza.
Como resultado da política identitária, temos um setor da esquerda que apoia os interessados abertamente ao classificar a resistência como coisa de terroristas. Por outro lado, aqueles que dizem defender os outros, se recusam a defender a principal força contra o exército de ocupação.
Censura
Outro desdobramento do identitarismo é o cerceamento da liberdade de expressão. Os identitários inventaram que palavras matam. Curiosamente, não se pode criticar aqueles que estão matando, não com palavras, mas, na prática, dezenas e dezenas de milhares de outros.
Aqueles que criticarem os interessados poderão estar colocando os outros (em geral) em risco e assim provocar suas mortes. Portanto, nada de falar, ou… cadeia.
Reforma agrária
A luta contra pelos direitos dos indígenas passa pela reforma agrária, não é necessário recorrer a nenhum preceito moral, que só atrapalha.
É preciso lembrar que o setor agrário é ultrarreacionário. Os latifundiários não pensarão duas vezes em massacrar se isso lhes trouxer vantagens econômicas. Apenas uma luta encarniçada contra eles é que poderá trazer algum resultado. É preciso mobilizar a esquerda e o governo Lula, a ladainha de ‘direitos ancestrais’ não passa de obstáculo na luta pelos direitos da população oprimida.