Desafios e oportunidades da reindustrialização brasileira em face das ameaças de acordos de livre comércio
por Luís Carlos Amorim Teixeira e Graciela Rodriguez
As contas nacionais divulgadas pelo IBGE em março deste ano, apresentaram um crescimento de 2,9% no PIB em 2023, superando às expectativas de analistas de mercado. No entanto, um olhar mais atento revela um aprofundamento da desindustrialização, com expansão nos setores voltados à exploração de recursos naturais – agropecuária (15,1%) e indústrias extrativas (8,7%) – enquanto a indústria de transformação, essencial para impulsionar outras atividades e aumentar a produtividade, registrou queda de 1,3%, após já ter encolhido 0,5% em 2022. Esses números jogam luz sobre a necessidade de reindustrialização, o que só pode ocorrer por meio de uma combinação de políticas macroeconômicas adequadas e de políticas públicas direcionadas à reindustrialização do país. Mas qual o sentido e a direção dessas políticas e quais os desafios e oportunidades para o Brasil?
Diante das mudanças climáticas, fortalecer o setor manufatureiro é crucial para o desenvolvimento, pois é ele quem melhor desempenha a disseminação de avanços tecnológicos, além de ter grande potencial para promover a descarbonização e o uso mais eficiente de recursos naturais. Outro fator relevante no atual contexto global se deve ao reordenamento em curso de cadeias de valor e dos fluxos de mercadorias, impulsionado por fatores geopolíticos e pela onda de políticas industriais sendo implementadas em nações desenvolvidas, principalmente por meio de incentivos fiscais e protecionismos tarifários. Nesse sentido, uma maior integração produtiva com países da região pode ser considerada uma oportunidade para escaparmos da armadilha primário-exportadora e de construção de cadeias setoriais através de vocações, complementariedades e necessidades comuns.
Para lidar com essa realidade, o governo brasileiro lançou, em janeiro de 2024, o Plano de Ação da Nova Indústria Brasil (NIB). O plano apresenta um conjunto amplo de medidas para apoiar o setor produtivo, com o objetivo de fomentar o avanço tecnológico, aumentar a produtividade e competitividade nacional, e reposicionar o Brasil no comércio internacional. Entre os instrumentos para a viabilização do plano estão os de fomento, através de uma ampla utilização bancos públicos e fundos garantidores, o uso de compras públicas (da administração direta e de empresas estatais) e a promoção de melhorias no ambiente de negócios.
Estruturado em seis missões, a NIB adota uma abordagem transversal na utilização das capacidades do Estado para reduzir brechas e gargalos estruturais e está em processo de revisão com o estabelecimento de metas para 2026. A transversalidade em torno dos objetivos associados às missões, aliás, pode ser considerada a grande inovação da nova política industrial brasileira, superando abordagens pontuais, verticais e setorizadas sem maiores preocupações com a geração de valor público.
Para discutir de que forma os acordos de livre comércio podem ser obstáculos para a retomada da indústria nacional, em particular o Acordo União Europeia Mercosul atualmente em negociação, a Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP) promoveu um ciclo de seminários envolvendo governos, sociedade civil, movimentos sindicais e acadêmicos em várias regiões do país com o intuito de gerar diagnósticos próprios e uma visão integrada de país. Nesses encontros, ficou evidente que para além das questões programáticas, existe uma falta de debates qualificados sobre o tema e que inclua abordagens plurais em torno do processo de construção de uma nova indústria no país.
Exatamente por considerar que o diálogo social ampliado é fundamental para uma visão mais abrangente do país, a REBRIP organizou uma publicação com oito artigos que visam contribuir para o debate nacional em torno da indústria que temos e a que queremos para que possamos atingir objetivos econômicos, sociais, ambientais e climáticos. O livro se divide em dois blocos. O primeiro, que tem como autores Alberto Arroyo, Daniel Kosinski, Mateus Mendes e Adhemar Mineiro, explora como os acordos de livre comércio atuam como obstáculos ao desenvolvimento industrial e como a integração regional pode impulsionar a América Latina. São apresentados exemplos internacionais que demonstram como a inserção diferenciada dos países permite o desenho de políticas industriais com resultados econômicos e sociais distintos. O segundo bloco, que conta com artigos de Carmem Feijó, Fernanda Feil, Fernando Teixeira, Marta Castilho, Kethelyn Ferreira, Leonardo Ferreira, Gustavo Teixeira e Mahatma Ramos, discute os desafios e oportunidades para construir uma nova indústria no Brasil, aproveitando-se da estrutura existente e se voltando para o enfrentamento das mudanças climáticas, com ênfase no papel indutor do Estado.
O livro terá lançamento na sexta-feira, dia 30 de agosto, às 18h, na sede do Brics Policy Center (Casas Casadas), na Rua das Laranjeiras, 307, no Rio de Janeiro, com a presença dos autores e autoras. A publicação está disponível para download gratuitamente na página da REBRIP.
[1] Pós-doutorando pelo PPGE/UFF e pesquisador do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE).
[2] Coordenadora da REBRIP e Diretora do Instituto Equit.
[3] https://www.ucl.ac.uk/bartlett/public-purpose/publications/2023/dec/challenges-and-opportunities-brazil
[4] https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/noticias/2024/agosto/nib-ganha-mais-credito-e-novos-parceiros-investimentos-publicos-e-privados-para-o-complexo-economico-industrial-da-saude-chegam-a-r-57-4-bi
[5] https://rebrip.org/publicacoes/4580/
Blog: Democracia e Economia – Desenvolvimento, Finanças e Política
O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF
O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp
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